Eis o sumário que deverá constar da I Série do Diário da República (DR):
Lei n.º______/2024
Altera a Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro – que aprova o Código Penal Angolano.
A presente iniciativa legislativa é apresentada ao abrigo da al. e) do artigo 164.º, da al. d) do n.º 2 do artigo 166.º e dos n.ºs 1 e 4 do artigo 167.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA), sob a forma de Proposta de Lei.
A matéria em causa está sujeita à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional, nos termos da al. e) do artigo 164.º da CRA e deve ter a forma de lei, segundo o disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 166.º da CRA. Sendo a iniciativa legislativa exercida pelo Executivo, decorre dos n.ºs 1 e 4 do artigo 167.º da CRA que o diploma reveste a forma de Proposta de Lei.
a) Constituição da República de Angola
A matéria penal decorre sempre associada à questão dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, sendo fortemente norteada pelo postulado basilar da Legalidade, que a seu termo assume a forma de Princípio da Legalidade Penal.
Assim, a Constituição da República de Angola é repertório exaustivo de normas que tutelam e conferem a protecção necessária aos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais, a vários níveis. Desde logo, destaque ao n.º 2 do artigo 2.º, artigo 14.º, alíneas b) e c) do artigo 21.º, artigo 22.º, e no essencial, as disposições normativas constantes do Capítulo II – “Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais” do “Título II – Direitos e Deveres Fundamentais”. Especial destaque se confere à tutela da Legalidade Penal, a qual decorre essencialmente da conjugação das disposições normativas dos artigos 64.º e 65.º da CRA, decorrendo essencialmente destes que a justiça penal e a sua materialização operam exclusivamente nos casos admissíveis e regulados por lei (sem prejuízo da ideia de Intervenção Mínima da tutela penal).
A título de reforço, e respondendo a exigência de especificação formal da Legalidade Penal, a CRA define, nos termos da al. e) do artigo 164.º, que a matéria em causa é objecto de reserva legislativa absoluta da Assembleia Nacional, e que os diplomas que resultem do exercício da competência aí prescrita devem ter a forma de Lei (formal), como decorre do disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 166.º da CRA.
A repartição da competência para o exercício da iniciativa legislativa vem regulada nos termos do artigo 167.º. Sendo a iniciativa legislativa exercida pelo Executivo, decorre dos n.ºs 1 e 4 do artigo 167.º da CRA que o diploma reveste a forma de Proposta de Lei. É no quadro das linhas de ordem visadas que se apresenta a iniciativa legislativa em questão.
b) Legislação ordinária
O repertório central do enquadramento jurídico da matéria objecto da proposta encontra-se previsto no Código Penal Angolano vigente, aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro. Sem prejuízo desta nota, há um corpo específico de alterações que se justificam pela necessidade de assegurar a que o panorama de penalização de determinadas crimes esteja em suficiente conformidade face ao conceito de “Crimes subjacentes ao Branqueamento de Capitais”, previsto em sede da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro – Lei sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, nomeadamente no artigo 82.º, visando conformar o nosso quadro legal relativamente às insuficiências decorrentes no Processo de Avaliação Mútua de conformidade e Eficácia do Sistema Nacional de Prevenção e Repressão dos fenómenos referidos, a que o país foi internacionalmente sujeito.
Pelo seu objecto – aprovação do Código Penal –, o presente diploma visa derrogar as alíneas i) e j) do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro – Lei que aprova o Código Penal Angolano.
a) Conformidade com os requisitos formais e constitucionais
A iniciativa legislativa sob análise é da competência do Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, no âmbito do seu poder de iniciativa, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea i) do artigo 120.º e nos n.º 1 e 4 do artigo 167.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA),
b) Verificação do cumprimento da Lei da Publicação e dos Formulários dos Diplomas legais (Lei nº 7/14, de 26 de Maio)
A Lei n.º 7/14, de 26 de Maio, comummente designada por “lei formulário”, possui um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, as quais são relevantes em caso de aprovação das iniciativas legislativas. A presente proposta de Lei observa os preceitos estabelecidos na Lei n.º 7/14, de 26 de Maio - Lei da Publicação e do Formulário dos Diplomas Legais – por força do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º, observado o Modelo 1 do formulário anexo a que se refere o artigo 14.º do diploma em apreço.
Cumprindo os requisitos formais consagrados, a proposta mostra-se redigida sob a forma de artigos (alguns dos quais divididos em números e alíneas), tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objecto principal e é precedida de uma exposição de motivos.
A. NA GENERALIDADE:
A publicação do Código Penal Angolano, aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, constituiu o limiar de uma jornada de trabalho exaustiva, voltada a conferir ao sistema da Justiça e do Direito Angolano um instrumento fundamental de realização da Justiça – no geral, e da justiça Penal em especial – e de protecção e salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Desde o mote dos trabalhos preparatórios e de diagnóstico, até a conclusão dos trabalhos de discussão e aprovação parlamentar do diploma – passando pela intervenção das várias frentes de coordenação técnica dos trabalhos e as várias oportunidades de consulta pública, institucionalizada ou especializada -, a conclusão do Código Penal Angolano foi marcada por um processo dialético bastante dinâmico e interactivo de ponderação da universalidade de propostas legislativas colocadas sob análise, levando a suficiente ponderação das soluções normativas a adoptar e a necessária conformação do quadro normativo adoptado em observância ao princípio da Unidade do Sistema Jurídico, a Supremacia da Constituição da República de Angola, a tutela da dignidade da pessoa humana e o respeito e salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Publicado o diploma, o período de vacatio legis consagrado viabilizou aos operadores da justiça e do direito, e ao público em geral, a oportunidade de tomar um primeiro contacto com o quadro normativo de referência e um primeiro momento de estudo das soluções normativas adoptadas para as várias questões dogmáticas e práticas do regime, observadas as considerações da doutrina penal moderna e as considerações específicas do quadro circunstancial concreto do país.
Sem prejuízo da avaliação assinalavelmente positiva que se faz do Código e das várias soluções normativas que encerra, o contexto demostrou que o exercício desenvolvido não esteve isento de falhas, e a avaliação do diploma levou à constatação de um núcleo concretos de insuficiências, gralhas, imprecisões ou omissões que legitimam já, para agora (e considerado o decurso do período de 60 dias, contados da entrada em vigor do diploma, exigível nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 7/14, de 26 de Maio - Lei da Publicação e do Formulário dos Diplomas Legais para efeito de rectificações, erratas e correcções de actos normativos), um primeiro exercício de alteração legislativa, por forma a superá-los.
É, pois, esta a primeira linha de considerações que está na base da presente iniciativa legislativa, a qual se propõe a proceder alterações legislativas ao conteúdo da Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro – Lei que aprova o Código Penal Angolano, nos termos descritos abaixo. Por outra, o segundo elemento de consideração, justificante de um corpo significativo de propostas legislativas, prende-se com o facto de dever-se assegurar a que o panorama de penalização de determinados crimes esteja em suficiente conformidade face ao conceito de “Crimes subjacentes ao Branqueamento de Capitais”, previsto em sede da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro – Lei sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, nomeadamente no artigo 82.º, e com isso conformar o nosso quadro legal relativamente às insuficiências decorrentes no Processo de Avaliação Mútua de conformidade e Eficácia do Sistema Nacional de Prevenção e Repressão dos fenómenos referidos, a que o país foi internacionalmente sujeito, o qual foi concluído em Julho do ano em curso com a publicação do Relatório de Avaliação Mútua discutido e aprovado aquando da 45.ª Reunião Plenária da Task-Force de Peritos Séniores do ESAAMLG e do ESAAMLG e no 22.º Conselho de Ministros do ESAAMLG, ocorridos em Março e Abril de 2023, em Arusha – Tanzânia.
B. NA ESPECIALIDADE:
A presente proposta se propõe a introduzir um corpo pontual de alterações aos artigos 28.º, 39.º, 75.º, 122.º, 194.º, 197.º, 281.º, 283.º, 284.º, 292.º, 304.º, 305, 358.º, 359.º, 360.º, 364.º, 391.º, 392.º, 401.º, 410.º, 425.º, 435.º, 436.º, 445.º, 448.º, 449.º, 450.º, 459.º, 460.º, 464.º e 465.º do Código Penal Angolano, aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, fundamentalmente no sentido de promover a correcção de uma série insuficiências, gralhas, imprecisões ou omissões identificadas nesse curto período de vigência, bem como a conformidade e adequação do panorama de penalização de determinados crimes face ao conceito de “Crimes subjacentes ao Branqueamento de Capitais”, previsto em sede da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro – Lei sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, nomeadamente no artigo 82.º. Sobre as alterações propostas, cumpre-nos emitir as seguintes considerações:
PROPOSTAS ESPECÍFICAS DE ALTERAÇÃO DA LEI DE APROVAÇÃO DO CÓDIGO PENAL
As intervenções nesta sede em particular circunscrevem-se à norma revogatória - artigo 6.º – da Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro – Lei de aprovação do Código Penal Angolano, e visão fundamentalmente fazer face à desnecessidade das menções que se fazem à revogação de disposições normativa da Lei n.º 7/06, de 15 de Maio – Lei de Imprensa e da Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro – Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais, isto porque as Leis em questão já constavam revogadas aquando da aprovação/publicação do Código.
PROPOSTAS ESPECÍFICAS DE ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL
Artigo 28.º: no artigo em questão, foi identificada e propõe-se a correcção de uma gralha de redacção que impede a suficiente concretização da norma, porquanto induz por interpretação a uma percepção de redundância. Trata-se, no caso, da correcção da expressão “O número de crimes” constante do início da redacção do n.º 1 do artigo, devendo passar a constar “O concurso de crimes”.
Com a alteração, fica clara e correcta a ideia de que é o “concurso de crimes” que se determina pelo número de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo crime for preenchido pela acção do agente.
Artigo 39.º: tem provocado alguma celeuma o facto de a parte especial do Código consagrar penas acessórias não especificamente enunciadas no rol de penas decorrente do artigo 39.º, algumas vozes se levantando mesmo no sentido de eventual violação do princípio da legalidade (ou da taxatividade) das reacções/sanções penais.
Na base da argumentação está o princípio da legalidade, mas a base de argumentação parece de alguma forma empolada a ponto de não se extrair suficientemente a filosofia de concepção do Código neste aspecto. O princípio da Legalidade impõe, para a legítima afirmação de uma reacção criminal, a observância de um critério de legalidade estrita – só é pena legitimamente aplicável a que resultar previamente ao facto de uma consagração legal bastante, por Lei Formal –. Neste plano, a previsão de penas acessórias na Parte Especial do Código (ou em legislação avulsa) não nos parece propriamente contrariar o Princípio. Pelo contrário concretiza-o, observada a necessidade de lei formal para o efeito.
Portanto, a taxatividade de enunciação das reacções criminais ao nível do artigo 39.º não é plena para o que as penas acessórias dizem respeito. Entretanto, para clarificar qualquer intento interpretativo neste sentido, somos de sugerir o aditamento de mais uma alínea ao n.º 3 do artigo em questão, que admita especificamente essa possibilidade. E neste sentido segue a proposta de alteração.
Artigo 75.º: A alteração proposta surge no sentido de assegurar a correspondência entre o limite máximo da pena de prisão de referência da norma (6 meses de prisão) face ao limite máximo da pena de multa, erradamente estabelecido em 120 dias, devendo passar a constar “60 dias”.
Artigo 194.º: recomenda-se uma correcção uma correcção pontual da moldura penal prevista ao nível da alínea b) do n.º 1 do artigo 194.º, que por gralha veio referida como sendo a de “3 meses a 12 anos (de prisão)”, quando na verdade devesse constar “3 a 12 anos (de prisão)”.
Lembre-se que o de abuso sexual de menor dependente tem, relativamente ao crime base de abuso de menores (artigos 192.º e 193.º) uma relação de especialidade (e de graduação/qualificação), portanto, é preciso assegurar a diferenciação do nível de responsabilidade dos agentes tendo em particular este aspecto.
As penas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 194.º traduzem a agravação qualificada da responsabilidade do agente dos crimes (base) previstos nos n.ºs 1 dos artigos 192.º e 193.º, respectivamente, quando praticados contra um menor que, face ao agente, se encontre em situação de dependência, guarda, cuidado ou assistência. Admitir um limite mínimo de 3 meses de prisão na alínea b) do n.º 1 do artigo 194.º potência o estabelecimento de um nível de responsabilização mais gravoso para o crime simples, que nos termos do n.º 1 do artigo 193.º tem tal limite fixado em 1 ano, gerando assim incongruência. Daí, o sentido da alteração proposta.
Artigo 292.º: uma recomendação central de padronização ao nível de todo o Código é a que aponta para a uniformização da designação do critério de referência valorativa para determinação do impacto da afectação patrimonial considerável para cada crime. Tendo sido adoptado para caracterização dos critérios de valor (diminuto, não elevado, elevado e consideravelmente elevado) a referenciação ao “salário mínimo mensal da função pública”, o foi constatado que o Código não usa esta expressão designativa de modo uniforme. Urge, por isso mesmo, uniformizar.
É este o propósito específico da alteração proposta para o n.º 2 do artigo 292.º, visando concretamente a substituição da referência constante, no caso, “salário mínimo mais baixo da função pública”, pela referência adequada a “salário mínimo mensal da função pública”.
Interpretando a norma no seu todo, o n.º 1 do artigo 303.º sanciona a simples conduta típica e dolosa do agente que atenta contra a segurança dos transportes, por qualquer uma das formas previstas nas alíneas respectivas. O n.º 2 trata da situação em que a conduta dolosa do n.º 1, a par do resultado típico de atentar contra a segurança dos transportes, conduza dolosamente a perigo efectivo à vida ou integridade física de outrem, ou a património de valor elevado.
O n.º 3 visa regular a situação em que a conduta do agente é efectivamente dolosa (dolosamente direccionada para atentar contra a segurança dos transportes), mas se verifica a produção negligente do resultado adicional previsto no n.º 2 (perigo efectivo à vida ou integridade física de outrem, ou a património de valor elevado). Já o n.º 4 prevê o caso em que a própria conduta do agente é negligente (e por consequência, os resultados – o directo e o eventual/adicional – também o são), daí que a responsabilidade neste quadrante é bem menos grave.
Artigo 304.º: ao número 1 do artigo em questão foram operadas duas ordens de alteração. A primeira visa ultrapassar a limitação que a expressão “veículo automóvel” pode imprimir ao âmbito da norma (correndo por exemplo o risco de, por interpretação, não se considerarem abrangidos as motorizadas e ciclo-motores), sendo proposta a substituição desta pela expressão “veículo rodoviário motorizado”.
A segunda visa, numa óptica de clarificação das situações de proibição da condução de veículos motorizados – (1) falta de habilitação legal, (2) inibição do direito de condução ou (3) cassação do título de condução -, assegurar a consagração expressa desta terceira nuance de proibição, omissa na redacção aprovada.
Foi ainda colocada sob ponderação uma proposta de inclusão de um n.º 3 ao presente artigo no sentido de fazer decorrer sempre da condenação por este crime (como efeito necessário) a aplicação da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados.
A presente proposta não a incorpora, pese embora a preocupação como tal tem já respaldo (tornando-se desnecessária essa consagração). A pena acessória como tal existe (vide Parte Geral, artigo 39.º, n.º 3, al. c) e artigo 67.º), e ao juiz é sempre possível aplicá-la complementarmente à pena principal, se da apreciação dos factos, da conduta prévia e posterior do agente e de aspectos subjacentes à sua personalidade for de inferir a necessidade deste reforço adicional da responsabilidade. A pena acessória tem assim, relativamente a pena principal, esse caráter de reforço e complementaridade da punição, norteada por critérios de legalidade, necessidade, utilidade e proporcionalidade, em ordem à realização das finalidades da punição. Não podem nunca ser de decorrência necessária.
Artigo 305.º: No presente artigo, a respeito do corpo do n.º 1 foi colocado um questionamento sobre o sentido e alcance do conceito de “fadiga excessiva”, bem como a proposta de introdução (e regulamentação) de algum mecanismo de medição, tendo sido sugerido o Tacógrafo.
A respeito da primeira, sem prejuízo de se tratar de um conceito genérico e sempre aberto a melhores oportunidades de concretização, pode-se genericamente entender a “Fadiga” como “estado genérico de incapacidade, esgotamento ou letargia motora, psíquica ou sensorial, provocado pela percepção exagerada, regular, recorrente ou ampliada de esforço na prática de determinada acção, seja ela acto ou omissão”. Mas mais importante do que saber do que se trata, é reflectir e avaliar o risco/necessidade de adopção de um conceito legal de fadiga como tal, a fixar nesta norma em particular. Não nos parece necessário como tal, mas é sempre uma questão que se abre à ponderação legislativa e política.
Já quanto à preocupação relativa ao critério de medição, não me parece que o Tacógrafo forneça índices mensuráveis para esse efeito. Porque instalado sobre veículos, ele fornece dados mensuráveis relativos à circulação do veículo, ou quais podem OU NÃO estar directamente associados à pessoa autuada na condução do mesmo. Dados como a distância percorrida (total e/ou por intervalos de deslocação), tempo da viajem (total e/ou parcelado em razão dos intervalos de deslocação e paragem, e ainda o tempo das paragens – no geral, tempos do veículo em movimento e repouso), quilometragem ao início e no final da viajem, interessantes para descrição e avaliação do desempenho de operadores do sector de transportes, no que respeita a observância de determinados marcos limitativos e critérios pré-estabelecidos de operações de transporte. Para operadores de transporte à distância, em raras circunstâncias, pode sim servir para extrair ilações que, combinadas com outros detalhes, informações e critérios, podem servir para a verificação de indícios de fadiga. Entretanto, não é, e não se deve recomendar como tal, como um critério de aferição e medição da fadiga no geral dos casos.
A proposta de alteração feita para a alínea b) do n.º 1 do artigo visa essencialmente restringir o âmbito de proibição da norma em questão aos “veículos rodoviários motorizados”, excluindo os veículos sem motor.
Foi avançada uma proposta de movimentação dos números 4 e 5 do artigo 305.º para o artigo 306.º, por se julgar neste a sede mais adequada. Sem prejuízo de ser uma questão sempre aberta a melhor ponderação legislativa, tanto uma norma como noutra possuem referências ao Estado de Embriaguez caracterizado nos números sob proposta de movimentação, e por isso, a consagração destes números no artigo 305.º tem conforto sistemático bastante.
Somos de opinião de que a proposta como tal não seja de acolher não seja de acolher dado a Proposta de Alteração Legislativa em curso circunscrever um panorama de intervenção mínima, apenas para a correcção do necessário. Mas é algo que sempre pode ser ponderado.
A principal alteração nesse domínio, e por sinal, questão central motivadora da alteração legislativa em curso, deve-se especificamente à necessidade de correcção do índice de medição da taxa de alcoolémia de referência para efeito de consideração do estado de embriaguez – Taxa de Álcool no Sangue - TAS.
Nomeadamente, a substituição da “taxa de alcoolémia igual ou superior a 1 miligrama de álcool por litro de sangue”, consagrada por lapso, e irrisória em demasia a ponto de absorver a consideração do consumo de outros géneros alimentares ou bebidas não especificamente alcoólicas, pugnando-se pela reposição da taxa alcoolémica de referência consagrada ao nível do Código de Estrada vigente, nomeadamente a de “1,2 gramas de álcool por litro de sangue”
Finalmente, sobre o n.º 5 do artigo em questão, duas foram as propostas de redacção emitidas pelo sector – uma delas, informalmente remetida por parte do serviço responsável pela regulação e ordenamento do trânsito rodoviário, e a segunda, remetida formalmente ao nível da Proposta de Lei de Alteração do Código Penal do Ministério do Interior – MININT, remetida à consideração do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos por acção do Ofício n.º 2205/GAB.MININT/SECRET/2021, de 10 de Março de 2021 as quais foram objecto da nossa apreciação.
Ao fazê-lo (e se assim for adoptada), a norma inequivocamente duplica a criminalização da conduta do agente – gerando naturalmente um juízo de concurso necessário de crimes – pois a consequência que se extrai da presunção legal da primeira parte da norma é também criminosa. Ou seja, a recusar-se ao teste, o agente vê contra si legalmente presumido o estado de embriaguez, o que combinado com o facto de ter sido autuado na direcção efectiva de um veículo rodoviário motorizado, concretiza a tipificação exigida para efeito do artigo 306.º (simples condução em estado de embriaguez) ou mesmo do artigo 305.º, n.º 1, alínea b) (condução perigosa de veículo), se aos factos acima descritos se associar também a violação grosseira de regras de segurança rodoviária ou a criação efectiva de perigo para a vida, integridade física ou património alheio de valor elevado.
Portanto, só pela recusa do teste, o agente já é presumível criminoso (caindo nas previsões dos artigos 305.º ou 306.º), havendo elementos suficientes para demandá-lo criminalmente. A proposta vem acrescer a esse quadro mais uma cominação – desobediência qualificada – igualmente decorrente do facto “recusa do teste”, julgamos nós, desnecessariamente, pois já há uma consequência legal que se extrai desse facto. É um excesso de zelo punitivo, e que ainda abre a possibilidade nefasta de, caso em juízo se venha a provar efectivamente que o agente não se encontrava em estado de embriaguez (contrariando a presunção legal e afastando a aplicabilidade dos artigos 305.º e 306.º), sempre subsistiria a responsabilização criminal pelo simples facto da recusa.
Não é uma opção que julgamos recomendada, e por essa razão a presente proposta de alteração legislativa não a acolheu. Aliás, foi uma das alternativas ponderadas aquando do desenho da proposta de Código neste tópico em particular. Entendeu-se na altura melhor adequado não deslocar o efeito da recusa para outra ordem de considerações externas à consideração da embriaguês em si (nomeadamente, desobediência). As duas opções funcionam bem em alternativa, mas é forçado colocá-las cumulativamente.
Foi colocada sob ponderação uma proposta de eliminação da parte final do artigo 307.º (que ressalva a aplicabilidade de pena mais grave à conduta descrita, por prescrição legal diferente), por alegada inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do princípio da tipicidade. Julgamos a preocupação como tal infundada, e a presente proposta de alteração legislativa não acolheu a proposta como tal.
Não existe relativamente a previsão de uma norma com esse teor ao nível do Código Penal, qualquer risco de constitucionalidade, de violação do princípio da legalidade ou da tipicidade (diferente dos que por hipótese existiram relativamente ao Decreto n.º 231/79, de 26 de Julho, por insuficiência de forma). Trata-se de uma norma de salvaguarda da aplicabilidade de qualquer norma penal que pela verificação do mesmo facto venha a aplicar uma sanção penal mais gravosa.
E coloque-se o acento tónico na expressão “norma penal”. É que para determinar uma “pena” mais grave, deve verdadeiramente ser uma norma penal incriminadora, que observe rigorosamente o princípio da legalidade penal (aprovada por via de um diploma com forma e força de Lei). O Código tem dignidade constitucional e legal para o fazer. Aliás, fá-lo em muitos outros casos.
Finalmente neste tópico dos Crimes contra a Segurança dos Transportes, foi recomendada a ponderação sobre a natureza das infracções de trânsito e a legitimidade ou não de aplicação de multas directamente pela Polícia (ao contrário da aplicação judicial de multas por via do processo de contravenções). Esta é uma preocupação já mais profunda, colocável não apenas na perspectiva do Código Penal, e devendo merecer tratamento sob uma base de problematização constitucional inclusive.
A CRA instituiu as bases para o desenho de um regime de Contra-ordenações, entretanto o legislador ordinário ainda não o desenvolveu suficientemente. Ademais, temos no C. Penal base geral do regime das contravenções, e ao nível do direito administrativo, bases para o regime de transgressões. A título programático, e de iure constituindo, é espectável a transposição do regime das contravenções, e bem assim, o das Transgressões para o regime das Contra-ordenações, considerando o comando constitucional sobre a matéria. Na sequência, é também espectável que o que de infracções não justifique a tutela penal, à luz do princípio da intervenção mínima, venha a ter o respectivo enquadramento ao nível do regime das Contra-ordenações. Por agora, interessa saber que classificação recebem as infracções de trânsito, justificativas como tal da aplicação de multas pela Polícia, directamente. Só poderá, a meu ver, sê-lo para as que se revelarem transgressões administrativas, dado que as contravenções seguem o mesmo nível de rigorosidade decorrente do Princípio da Legalidade Penal (amplo sensu… que abarca igualmente a legalidade do processo penal para o julgamento de crimes e contravenções). E isto deve ficar clarificado ao nível da legislação respectiva, e da prática corrente.
A conclusão interpretativa recomendada é a que decorreria de um juízo de exclusão de partes. Dado existir previsão conceitual dos critérios de valor “elevado” e “consideravelmente elevado”, toda a cifra de valor considerada abaixo do marco delimitativo mínimo do valor elevado considerar-se-ia “não elevado” (tal compreenderia, inclusive o critério de valor diminuto).
Explicando melhor, a caracterização valorativa do património obedece a dois critérios de valor principais: “Valor elevado” e “Valor não elevado”. Entende-se de “Valor elevado” toda a consideração patrimonial que exceder o correspondente a 100 Salários Mínimos Mensais da Função Pública. Entretanto, quando o património considerado de valor elevado exceda o correspondente a 500 Salários Mínimos Mensais da Função Pública, ganha relevância especial para efeitos de qualificação ou agravação dos impactos, assumindo a caracterização de “Valor Consideravelmente Elevado” (em suma, o critério de “Valor elevado” absorve o critério de “valor consideravelmente elevado”, o qual ganha cunho de particularidade pela relevância que tem para efeito de agravação ou qualificação).
Toda a consideração de valor situada até ao limite de 100 Salários Mínimos Mensais da Função Pública compreende-se no critério de “Valor não Elevado”. Entretanto, o património de valor não elevado que não exceda à metade de um Salário Mínimo Mensal da Função Pública ganha especial relevância, nalgumas situações pontuais, para efeito de dispensa da pena, atenuação ou afastamento da responsabilidade penal – É o que se entende por Valor Diminuto.
Visando sedimentar esse entendimento, e por via dele clarificar a caracterização dos critérios de valor considerados, (diminuto, não elevado, elevado e consideravelmente elevado) foi feita uma pequena alteração ao conceito de valor diminuto e introduzido em expresso o conceito de Valor Não Elevado, essencialmente para melhor orientar as ilações interpretativa neste plano.
Por outra, e tal como referido em sede do comentário sobre a proposta de alteração do artigo 292.º, procedeu-se à uniformização da designação do critério de referência valorativa do património, sendo adoptada a expressão “salário mínimo mensal da função pública” em todas as normas em que constasse menção diferente (no caso, a expressão “salário mínimo mais baixo da função pública”).
Artigo 410.º: O mesmo exercício de uniformização da designação do critério de referência valorativa do património foi feito ao nível do n.º 2 do artigo em questão, sendo adoptada a expressão “salário mínimo mensal da função pública” ao contrário da expressão “salário mínimo nacional da função pública” nele constante.
Artigo 445.º: no artigo em questão o propósito da alteração proposta é o de colmatar uma gralha de redacção, com impacto na redacção e interpretação da norma. A norma que figura como alínea d) do n.º 4 do artigo em questão é (deve ser) na verdade um número autónomo do artigo em questão, e como tal deve ser consagrado. A forma de operacionalizar tal alteração, tratando-se de norma já vigente, é proceder a revogação dela enquanto alínea, ao mesmo tempo que se faz nascer um número novo com a mesma redacção.
Artigo 450.º: na norma em questão, a alteração que se propõe à alínea a) do n.º 2 visa somente corrigir a remissão errada que se faz por lapso ao artigo 448.º, devendo passar a constar “artigo 446.º”.
Acreditamos que com as alterações propostas o Código ganha maior segurança enquanto instrumento normativo primordial que se pretende.
A proposta em Lei de alteração comporta propostas de alteração específicas para o artigo 122.º, e bem assim, para a moldura penal dos tipos criminais previstos nos artigos 197.º, 281.º, 283.º, 284.º, 358.º, 359.º, 360.º, 364.º, 392.º, 401.º, 425.º, 435.º, 436.º, 448.º, 449.º, 459.º, 460.º, 464.º e 465.º do Código Penal, decorrentes da necessidade de assegurar a conformidade do panorama de penalização destes crimes face ao conceito de “Crimes subjacentes ao Branqueamento de Capitais”, previsto em sede do n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro – Lei sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, e com isto, a satisfação particular desta insuficiência como tal decorrente do Processo de Avaliação Mútua de conformidade e Eficácia do Sistema Nacional de Prevenção e Repressão dos fenómenos referidos, a que o país foi internacionalmente sujeito, o qual foi concluído em Julho do ano em curso com a publicação do Relatório de Avaliação Mútua discutido e aprovado aquando da 45.ª Reunião Plenária da Task-Force de Peritos Séniores do ESAAMLG e do ESAAMLG e no 22.º Conselho de Ministros do ESAAMLG, ocorridos em Março e Abril de 2023, em Arusha – Tanzânia.
Fruto dos grandes índices de crescimento do sistema financeiro angolano, o País foi colocado no radar do sistema financeiro internacional. Assim, desde 2010 que Angola começou uma marcha específica de reforço do comprometimento estadual de edificação de um panorama robusto de conformidade e efetividade do quadro jurídico, procedimental e institucional de prevenção e repressão do Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, tendo em consideração o potencial de risco nacional identificado e a conformação face aos standards internacionais de referência, com destaque para as Recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional (40+11 Recomendações do GAFI-FATF).
Para tal, um corpo robusto de reformas legislativas, institucionais, procedimentais, bem como a mobilização de um pacote diversificado de políticas, estratégias, planos de acção, medidas, recursos e diligências levaram a que Angola evoluísse nos patamares de conformidade referenciáveis nacional e internacionalmente, tendo podido imigrar do estatuto de “Jurisdição Não Cooperante (como tal designada pelo GAFI em 2010)” a estatutos mais optimistas de conformidade nos anos subsequentes, incluída a admissão, como membro de pleno direito, no Grupo de Combate ao Branqueamento de Capitais para Africa Austral e Oriental (Eastern and South African Anti Money Laundering Group – ESAAMLG), representação regional do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI – FATF).
Ao longo deste período o país foi submetido a vários ciclos de Avaliação Mútua de Conformidade do Sistema Nacional de Prevenção e Repressão do Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa (o primeiro concluído em Abril de 2018, o mais recente, concluído em Julho do ano em curso). O último processo de Avaliação Mútua procedeu a uma contextualização exaustiva do panorama de conformidade e efectividade do país face aos standards internacionais de referência. E nisto, foram detectadas particulares insuficiências na observância da Recomendação, com destaque para uma em particular que demanda este núcleo de intervenções.
O Critério 3.2. dessa Recomendação é o que demanda especificamente que “Os crimes subjacentes ao BC deveriam cobrir todas as infracções graves, com vista a incluir o conjunto mais alargado de infracções subjacentes. No mínimo, os crimes subjacentes deveriam incluir um conjunto de infracções em cada uma das categorias designadas”. E a respeito, a Avaliação Mútua atestou que “Angola adoptou uma abordagem de limiar para a criminalização do branqueamento de capitais e designação de infracções subjacentes. O n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro considera como infracções subjacentes ao branqueamento de capitais todos os ilícitos típicos puníveis com pena mínima de prisão igual ou superior a 6 (seis) meses. No entanto, os seguintes crimes não atendem ao limite mínimo de 6 (seis) meses de prisão, ou seja, seu limite mínimo começa de 3 a dois anos, por exemplo, e como tal não se qualificam como crime antecedente de lavagem de dinheiro, nomeadamente, tráfico ilícito de bens roubados e outros, corrupção em relação à cobrança de impostos, falsificação, contrafacção e pirataria de produtos, crimes fiscais, contrabando e abuso de informação privilegiada e manipulação de mercado e financiamento de viagens de indivíduos terroristas não são infracções subjacentes ao branqueamento de capitais.”, tendo considerado por força disso o Critério como “Parcialmente Cumprido”.
Face a consideração acima, importa desde logo reconhecer que Angola assegura a criminalização de todas as condutas exigidas para conformidade do presente critério, incluindo as listadas/designadas para efeito do comentário em questão, e assegura para estas a natureza de crime subjacente ao BC-FT/FP, seja em razão do critério da especialidade, e fundamentalmente por aplicação do critério do limiar aceitável.
O Código Penal Angolano recém aprovado ao abrigo da Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, procede à revogação da Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro, e a consequente incorporação e desenvolvimento do quadro de crimes considerados subjacentes ao branqueamento de capitais – definidos pela Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro como sendo o corpo de criminalidade susceptível de propiciar a obtenção de proventos branqueáveis cuja moldura penal de responsabilização seja igual ou superior a 6 meses de prisão (observância do critério do limiar). A criminalização demanda a regra da dupla incriminação nos casos em que o crime subjacente considerado tenha sido praticado fora do território nacional.
Entretanto, não se trata da adoção de uma abordagem simples de catálogo, mas que inclui também uma abordagem de limiar, e neste diapasão, o panorama de crimes subjacentes, conforme definido no n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro, inclui nomeadamente o universo de crimes qualificados como graves pelo direito angolano (todo universo de crimes puníveis com pena de duração mínima igual ou superior a seis meses de prisão) e que gozem da susceptibilidade de potenciar proventos branqueáveis.
A par disso, interessa também considerar que a eventualidade de aplicação, à conduta crime respectiva, de uma pena concreta que cujo limite mínimo, ponderados os quesitos legais de gravidade e culpa, seja inferior a 6 meses de prisão, não belisca nunca a natureza de crime subjacente a tais crimes face ao Branqueamento de Capitais porquanto, para a respectiva caracterização, é tomada por referência a pena abstratamente aplicável, e não a pena efetivamente aplicada.