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Lei n.º 20/19 - Lei sobre o Transplante de Células, Tecidos e Órgãos Humano

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º
Objecto
  1. 1. A presente Lei estabelece as normas relativas à disposição gratuita de células, tecidos e órgãos e partes do corpo humano, quer em vida como depois da morte, bem como os demais procedimentos com vista à sua transplantação no organismo humano.
  2. 2. A transfusão de sangue e derivados, a doação de óvulos e de esperma, a transferência e a manipulação de embriões, assim como a doação e colheita de células, tecidos e órgãos do corpo humano para efeitos de investigação científica são regulados em legislação especial.
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Artigo 2.º
Âmbito

A presente Lei aplica-se a todos os cidadãos nacionais, aos apátridas e aos estrangeiros residentes em Angola, na qualidade de dadores ou de beneficiários de transplante.

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Artigo 3.º
Definições
  • Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
    1. a)- «Cadáver», restos integrados de um ser humano, do qual já se tenha produzido a morte encefálica;
    2. b)- «Células», células individuais de origem humana ou um grupo de células de origem humana quando não estão unidas por nenhuma forma de tecido conjuntivo;
    3. c)- «Derivados», produtos obtidos de tecidos, que tenham aplicação diagnóstica e terapêutica;
    4. d)- «Disposição», acto ou os actos relativos à obtenção, preservação, preparação, utilização, subministro e destino final das células, tecidos, órgãos e seus derivados, produtos e cadáveres;
    5. e)- «Dador», ser humano que, durante a sua vida ou após a sua morte, por sua livre e espontânea vontade, ou pela dos seus parentes, se lhe extraem células, tecidos e órgãos, derivados ou material anatómico, com o objectivo de serem utilizados para transplante em outros seres humanos, para efeitos terapêuticos;
    6. f)- «Inabilitado», ser humano destituído das suas plenas funções mentais;
    7. g)- «Órgão», entidade morfológica, composta por um agrupado de tecidos diferentes, que concorrem para o desempenho da mesma função;
    8. h)- «Receptor», ser humano, em cujo corpo se devem implantar as células, tecidos e órgãos, derivados ou qualquer outro material anatómico, mediante procedimentos terapêuticos;
    9. i)- «Ser Humano», todos os indivíduos da espécie humana;
    10. j)- «Substância Regenerável», células ou tecidos que, após a sua remoção parcial se multiplicam e proliferam de modo a reconstituírem a função existente da sua remoção.
    11. k)- «Substância não Regenerável», células ou tecidos que após a sua remoção parcial, não reconstituem a função existente antes da sua remoção parcial, mesmo havendo alguma capacidade de proliferação celular
    12. l)- «Tecido», entidade morfológica, composta por um agrupado de células da mesma natureza e com a mesma função;
    13. m)- «Transplante», substituição, com fins terapêuticos de células, tecidos e órgãos, derivados ou material anatómico, por outros, provenientes de um ser humano dador, vivo ou morto.
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Artigo 4.º
Órgão de Coordenação e Supervisão da Transplantação
  1. 1. O Órgão de Coordenação e Supervisão de Transplantação é o ente responsável por coordenar e supervisionar todo o processo de recolha e distribuição das células, tecidos e órgãos para transplante.
  2. 2. Compete ao Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, a criação do Órgão referido no ponto anterior, bem como definir as suas atribuições e competências específicas.
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Artigo 5.º
Registo Nacional de Dadores

Os dadores devem estar devidamente controlados, mediante a sua inscrição numa base de dados especialmente criada para o efeito, designada Registo Nacional de Dadores.

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Artigo 6.º
Registo Nacional de Candidatos a Receptores para Transplante

Os candidatos a receptores para transplante devem estar devidamente inscritos numa base de dados especialmente criada para o efeito, designada Registo Nacional de Candidatos a Receptores para transplante.

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Artigo 7.º
Estabelecimentos Autorizados
  1. 1. A extracção e transplante de células, tecidos, órgãos e derivados ou de qualquer outro material anatómico de seres humanos, bem como a sua utilização para fins terapêuticos, só podem ser efectuados em estabelecimentos e centros hospitalares públicos ou privados, autorizados pelo Departamento Ministerial responsável pelo Sector da Saúde, ouvido o Órgão de Coordenação e Supervisão.
  2. 2. Os estabelecimentos e centros hospitalares previstos no número anterior devem dispor de instalações, equipamentos adequados de transplante e de equipas, médico-cirúrgicas especializadas para o efeito.
  3. 3. Os estabelecimentos acima referidos são objecto de reanálise do seu desempenho, periodicamente, podendo a referida autorização ser suspensa ou retirada.
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Artigo 8.º
Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante
  1. 1. Em cada estabelecimento hospitalar onde se realize a colheita de enxertos deve ser criada, pelo Órgão de Coordenação e Supervisão homologado pelo Departamento Ministerial responsável pelo Sector da Saúde, uma Comissão de Ética para a Saúde.
  2. 2. A Comissão de Ética para a Saúde é supervisionada pelo Conselho Nacional de Bioética.
  3. 3. À Comissão referida nos números anteriores cabe emissão de parecer vinculativo em caso de dádiva e colheita em vida de órgão, tecidos e células para fins terapêuticos e de transplante.
  4. 4. A organização e funcionamento, bem como as competências deste Órgão, são reguladas por lei própria.
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Artigo 9.º
Confidencialidade da Identidade do Dador e do Receptor

Salvo o consentimento expresso do dador e do receptor é proibido revelar a identidade do dador e do receptor de células, tecidos e órgãos

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Artigo 10.º
Gratuidade

As células, tecidos e órgãos para efeitos terapêuticos ou de transplante devem ser doados, sendo proibida a sua comercialização.

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CAPÍTULO II

COLHEITA E TRANSPLANTE DE CÉLULAS, TECIDOS E ÓRGÃOS HUMANOS ENTRE VIVOS

Artigo 11.º
Admissibilidade
  1. 1. Para efeitos da presente Lei, só é autorizada a colheita em vida, de substâncias regeneráveis.
  2. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, só é permitida a doação de células, tecidos e órgãos entre vivos de enxertos não regeneráveis quando, entre dador e receptor, existir uma relação de parentesco até ao segundo grau da linha recta, ou do segundo grau da linha colateral, de casamento ou de união de facto reconhecida.
  3. 3. Os menores, em vida, só podem doar substâncias regeneráveis, desde que o receptor seja irmão ou irmã do dador.
  4. 4. É proibida a extracção e transplante total de órgãos únicos ou vitais, cuja separação possa causar a morte, a incapacidade física e ou mental, total e permanente, ou que provoque a mutilação ou deformação inaceitável do dador.
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Artigo 12.º
Obrigatoriedade
  1. 1. O médico a quem esteja incumbido a tarefa de efectuar o transplante deve explicar, detalhadamente, ao dador e ao receptor os riscos que implicam a operação e as suas sequelas.
  2. 2. O dador deve dar o seu consentimento por escrito e se for menor, com capacidade de entendimento e manifestação de vontade, o consentimento é dado cumulativamente pelo mesmo e pelos pais ou tutor.
  3. 3. Em caso de desacordo, entre os progenitores, o consentimento depende de uma autorização judicial.
  4. 4. Os inabilitados só podem proceder à doação mediante autorização judicial e desde que não haja oposição dos mesmos.
  5. 5. O consentimento previsto nos números anteriores pode ser revogado, pelo dador, a qualquer momento.
  6. 6. No consentimento, o dador deve especificar expressamente as células, tecidos ou órgãos que vai doar.
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Artigo 13.º
Requisitos do Dador em Vida
  1. 1. O dador deve reunir os seguintes requisitos:
    1. a)- Ser maior de idade, excepto o previsto no n.º 3 do artigo 11.º da presente Lei
    2. b)- Apresentar um relatório médico actualizado e favorável, sobre o seu estado de saúde, incluindo o mental;
    3. c)- Ter compatibilidade com o receptor, de acordo com os exames médicos efectuados;
    4. d)- Ter recebido informação detalhada e completa, sobre os riscos da operação, suas eventuais consequências, assim como as probabilidades de êxito do receptor;
    5. e)- Ter expresso por escrito e na presença de duas testemunhas, de forma voluntária, sem qualquer tipo de coacção, quer seja física, moral ou psicológica, a sua total disponibilidade de doar as células, tecidos ou órgãos;
    6. f)- Estar inscrito no Registo Nacional de Dadores
  2. 2. A disponibilidade de doar as células, tecidos ou órgãos, prevista na alínea e) do número anterior é susceptível de ser actualizada, até à data da extracção, podendo ser revogada a qualquer altura.
  3. 3. A doação não faz emergir nenhum direito subjectivo do dador em relação ao receptor.
  4. 4. O dador tem direito à assistência médica até ao seu completo restabelecimento e a ser indemnizado pelos eventuais danos sofridos no decurso do processo de extracção independentemente da culpa.
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CAPÍTULO III

COLHEITA E TRANSPLANTE DE TECIDOS E ÓRGÃOS HUMANOS DEPOIS DA MORTE

Artigo 14.º
Certificação da Morte Cerebral
  1. 1. Compete ao Titular do Poder Executivo, ou a quem este delegar, sob proposta da Ordem dos Médicos de Angola, enunciar e manter actualizado, de acordo com os progressos científicos que venham a registar-se, o conjunto de critérios e regras de semiologia médico-legal idóneos para a verificação da morte cerebral.
  2. 2. Na verificação da morte não deve intervir médico que integre a equipa de transplante.
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Artigo 15.º
Extracção
  1. 1. A retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para efeitos de transplante, depois da morte, deve ser feita nos termos do artigo 7.º da presente Lei.
  2. 2. O médico que efectua a colheita de tecidos e órgãos é obrigado a lavrar um auto contendo a identificação do falecido, os tecidos e órgãos colhidos e o destino dado aos mesmos.
  3. 3. É sempre admitida a presença do médico de confiança da família do falecido no acto da colheita de tecidos e órgãos.
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Artigo 16.º
Doação Póstuma
  1. 1. Os angolanos, os apátridas e os estrangeiros residentes em Angola, salvo manifestação de vontade expressa em contrário, são potenciais dadores, depois de declarada a morte cerebral, desde que constem do Registo Nacional de Dadores, ou se houver manifesta vontade da família.
  2. 2. Na qualidade de potenciais dadores, os angolanos, os apátridas e os estrangeiros residentes podem, em vida, expressamente definir as células, tecidos e órgãos que pretendem doar.
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Artigo 17.º
Remoção a Menores e Incapazes

A remoção de células, tecidos e órgãos de cadáveres de menores ou incapazes é feita com prévia autorização dos pais, tutores ou parentes.

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Artigo 18.º
Proibição de Remoção
  • É proibida:
    1. a)- A remoção de células, tecidos e órgãos de cadáveres, cuja morte tenha ocorrido sem assistência médica ou óbito por causa não definida;
    2. b)- A remoção de células, tecidos e órgãos de cadáveres não identificados;
    3. c)- A remoção de células, tecidos e órgãos de cadáveres de menores ou incapazes quando não haja autorização dos pais, parentes ou tutores.
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Artigo 19.º
Mutilações
  1. 1. Durante a remoção de células, tecidos e órgãos deve-se evitar as mutilações ou dissecações dispensáveis, que podem prejudicar a realização da autópsia, se ela tiver lugar após a remoção.
  2. 2. Os restos mortais são condignamente recompostos e entregues aos parentes para serem sepultados.
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CAPÍTULO IV

SANÇÕES

Artigo 20.º
Extracção e Transplante não Autorizado
  • É punido, nos termos da legislação penal em vigor, todo o profissional que:
    1. 1. Extrair células, tecidos, órgãos ou quaisquer partes de cadáver humano e realizar o transplante em desacordo com as disposições da presente Lei.
    2. 2. Extrair células, tecidos, órgãos ou quaisquer partes se o acto for praticado contra pessoa viva e resulte para o ofendido:
      1. a)- Incapacidade para o trabalho;
      2. b)- Perigo de vida;
      3. c)- Deformidade permanente de membro, sentido ou função;
      4. d)- Aceleração ou interrupção de parto;
      5. e)- Enfermidade incurável.
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Artigo 21.º
Venda

Aquele que vender ou obtiver qualquer compensação com a venda de células, tecidos e órgãos de ser humano é punido nos termos da legislação penal em vigor.

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Artigo 22.º
Denúncia
  1. 1. Qualquer pessoa que tenha conhecimento da extracção de células, tecidos e órgãos ou o transplante dos mesmos com fins comerciais ou não, pode denunciar o facto.
  2. 2. Tratando-se de autoridade pública ou profissional de saúde, a denúncia é obrigatória.
  3. 3. A violação do previsto no número anterior por parte de autoridade pública ou profissional de saúde é punida como crime de desobediência, nos termos da legislação penal em vigor.
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CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Artigo 23.º
Proibição de Anúncio
  • É vedada a utilização dos meios de comunicação social com anúncios onde conste o seguinte:
    1. a)- Apelo público de doação de tecidos ou órgãos para determinada pessoa, excepto nos casos de transfusão de sangue ou nos casos de transplante de medula óssea, salvaguardando-se o anonimato do receptor;
    2. b)- Apelo público para arrecadação de fundos para o financiamento de transplante de determinada pessoa.
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Artigo 24.º
Campanha de Sensibilização

O Departamento Ministerial responsável pelo Sector da Saúde deve anualmente organizar, em colaboração com os Órgãos de Comunicação Social, campanhas de sensibilização orientadas a promover a cultura de doação de órgãos.

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Artigo 25.º
Dúvidas e Omissões

As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.

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Artigo 26.º
Entrada em Vigor

A presente Lei entra em vigor à data da sua publicação

Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, aos 13 de Agosto de 2019.

O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos.

Promulgada, aos 6 de Setembro de 2019.

Publique-se.

O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO

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