CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Artigo 1.º
Objecto
- A presente Lei regula a utilização de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, nomeadamente:
- a) Inseminação Artificial;
- b) Fecundação Laboratorial ou Fertilização in Vitro;
- c) Diagnóstico Genético Pré-lmplantacional;
- d) Injecção Intracitoplasmática de Espermatozóides;
- e) Transferência de Embriões, Gâmetas ou Zigotos;
- f) Outras técnicas laboratoriais de manipulação de gâmetas ou embriões, equivalentes ou subsidiárias.
Artigo 2.º
Âmbito
- 1. A presente Lei aplica-se a todas as pessoas que, sendo casadas formal ou costumeiramente e às que vivam em união de facto, ainda que não reconhecida, tenham sido diagnosticadas com infertilidade, doença grave ou risco de transmissão de doenças de origem genética ou infecciosa ao feto por profissional de saúde e que decidam recorrer às técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, realizadas nos centros autorizados e por profissionais de saúde devidamente qualificados para o efeito.
- 2. A presente Lei aplica-se, com as devidas adaptações , às pessoas solteiras ou sem companheiros e que decidam recorrer às técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida por meio de doação de gâmetas, embriões, e de maternidade de substituição.
Artigo 3.º
Princípios gerais
- A utilização de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida rege-se, dentre outros, pelos seguintes princípios:
- a) Respeito à dignidade da pessoa humana;
- b) Igualdade e não discriminação;
- c) Consentimento expresso, informado, esclarecido e livre;
- d) Impossibilidade de alternativa de procriação;
- e) Respeito pelos valores éticos, deontológicos e bioéticos.
Artigo 4.º
Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana
As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem respeitar a dignidade da pessoa humana, em especial os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, consagrados na Constituição da República de Angola.
Artigo 5.º
Princípio da igualdade e não discriminação
As pessoas que reúnem os requisitos dispostos na presente Lei podem beneficiar-se das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, sendo proibida qualquer discriminação com base no património genético ou no facto de ter nascido em resultado das referidas técnicas.
Artigo 6.º
Princípio do consentimento
A utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida está sujeita ao consentimento prévio, informado e devidamente fundamentado do beneficiário.
Artigo 7.º
Princípio da impossibilidade de alternativa de procriação
As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são usadas apenas quando não for possível, por outros meios, o Tratamento da Infertilidade ou de Procriação.
Artigo 8.º
Princípio do respeito aos valores éticos, deontológicos e bioéticos
A utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida deve respeitar os valores éticos, deontológicos e bioéticos que a regem, sendo proibida toda a acção ou omissão que os viole.
Artigo 9.º
Definições
- Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
- a) «Diagnóstico Genético Pré-lmplantacional de Embriões» - diagnóstico das alterações genéticas e cromossómicas dos embriões, no qual se realiza uma biópsia que consiste na retirada de um fragmento embrionário, antes da sua implantação na cavidade uterina da mulher
- b) «Embrião Humano» - ser humano fruto da fusão dos núcleos dos gâmetas masculino e feminino, nas primeiras oito semanas de gestação, que constitui o fim da organogénese
- c) «Fecundação laboratorial ou Fertilização in Vitro» - fusão de um óvulo ou ovócito colhido do ovário da mulher e de um espermatozóide, fora do corpo da mulher, utilizando um cristal de laboratório, com o objectivo de obter um número de embriões para transferir para a cavidade uterina materna
- d) «Feto» - ser humano resultante da concepção após a organogénese a partir das oito semanas e até ao nascimento
- e) «Gâmetas» - os espermatozóides e os óvulos
- f) «Híbridos» - ser vivo que é proveniente do cruzamento de indivíduos de espécies distintas
- g) «Infertilidade» - incapacidade de uma pessoa para alcançar a concepção após um ano ou mais de actos sexuais regulares sem protecção com métodos anticoncepcionais, comprovada mediante diagnóstico médico de incapacidade de procriação
- h) «Injecção Intracitoplasmática de Espermatozóides» - procedimento que consiste na injecção de um único espermatozóide vivo no citoplasma do ovócito ou óvulo
- i) «Inseminação Artificial» - introdução, com ajuda de instrumentos, de espermatozóides capacitados para o interior das vias genitais da mulher sob controlo ecográfico
- j) «Maternidade de Substituição» - situação em que uma mulher assume e compromete-se a, por conta de outrem, carregar um embrião ou feto que foi concebido por meio de um procedimento de reprodução assistida e derivada dos gâmetas de um doador ou doadores
- k) «Medicina Reprodutiva ou Medicina da Reprodução» - especialidade médica que trata das questões da reprodução humana, nos casos de infertilidade masculina, infertilidade feminina e infertilidade conjugal, tendo como finalidade auxiliar os indivíduos com dificuldades para procriar e ter gravidezes saudáveis
- l) «Quimera» - embrião no qual uma célula de qualquer forma de vida não humana foi introduzida ou ainda um embrião formado por células de mais de um embrião, feto ou ser humano
- m) «Reprodução Humana Medicamente Assistida» - métodos que permitem induzir uma gravidez fora da união natural do homem e da mulher
- n) «Transferência de Gâmetas ou Zigotos e Embriões» - introdução, com a ajuda de um instrumento chamado cateter, de espermatozóides, de óvulos e de embriões na cavidade uterina sob controlo ecográfico
- o) «Embriões Criopreservados ou Congelamento» - procedimento realizado quando existem embriões excedentes e de boa qualidade após uma tentativa de Fertilização in Vitro (FIV) ou Fertilização in Vitro com Micromanipulação de Gâmetas (ICSI)
Artigo 10.º
Condições de admissibilidade
- 1. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são métodos subsidiários e não alternativos de procriação a serem aplicados a toda mulher, com plena capacidade para ser receptora ou usuária dos procedimentos regulados na presente Lei, após o consentimento de ambos os cônjuges ou companheiros de união de facto, ainda que não reconhecida, de forma escrita, livre, consciente e expressa.
- 2. A utilização de técnica de Reprodução Humana Medicamente Assistida só se pode verificar mediante diagnóstico de infertilidade, ou ainda, sendo caso disso, para tratamento de doença grave ou do risco de transmissão de doenças de origem genética, infecciosa ou outras doenças.
- 3. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são realizadas quando houver possibilidades razoáveis de êxito e não acarretem risco grave à saúde, física ou psíquica, da mulher ou possível descendência.
- 4. A aceitação das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida pelos cônjuges beneficiários deve ficar reflectida num formulário de consentimento informado e esclarecido no qual se faz menção expressa de todas as condições concretas de cada caso para a sua aplicação.
- 5. Qualquer beneficiário das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida pode pedir que se suspenda a sua aplicação em qualquer momento da sua realização anterior à transferência embrionária e o seu pedido deve ser atendido.
- 6. Todos os dados relativos à utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem estar registados em histórias clínicas individuais, tratadas com as devidas garantias de confidencialidade, respeito da identidade dos doadores, dos dados e condições dos usuários e as circunstâncias que concorram na origem dos filhos nascidos desses procedimentos.
Artigo 11.º
Centros autorizados e pessoal qualificado
- 1. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem ser realizadas, apenas, em centros públicos e privados expressamente autorizados pelo Departamento Ministerial responsável pelo Sector da Saúde, sob parecer do Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA).
- 2. Os centros que aplicam as técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem ser responsáveis pelo controlo de doenças infecto-contagiosas , pela colheita, pelo manuseio, pela conservação, pela distribuição, pela transferência e pelo descarte de material biológico humano dos pacientes que forem atendidos com o fim de procriação.
- 3. Os centros devem fazer o acompanhamento psicológico dos beneficiários antes e durante todas as fases da Reprodução Humana Medicamente Assistida.
- 4. São definidos em diploma próprio:
- a) As qualificações exigidas às equipas de profissionais;
- b) O modo e os critérios de avaliação periódica da qualidade técnica;
- c) As situações em que a autorização de funcionamento pode ser revogada.
Artigo 12.º
Beneficiários
- 1. Os beneficiários das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são as pessoas casadas nos termos da lei e do costume ou que vivam em união de facto, ainda que não reconhecida, bem como as pessoas solteiras ou sem companheiros que reúnam os requisitos estabelecidos no Artigo 2.º da presente Lei.
- 2. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida apenas podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, cumulativamente, maior idade e não padeça de quaisquer das formas de incapacidade estabelecidas na lei.
Artigo 13.º
Finalidades proibidas
- 1. É proibida a clonagem reprodutiva, tendo como objectivo criar seres humanos geneticamente idênticos a outros, usando qualquer técnica, ou transplantar um clone humano num ser humano ou em qualquer forma de vida não humana ou dispositivo artificial.
- 2. É proibida a utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida para conseguir obter determinadas características não médicas do concepturo, nomeadamente a escolha do sexo.
- 3. Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que haja risco elevado de doença genética ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível a detecção por diagnóstico pré-natal ou diagnóstico genético pré-implantação, ou quando seja ponderada a necessidade de obter grupo de antigénios leucocitários humanos compatível para efeitos de tratamento de doença grave.
- 4. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida não podem ser utilizadas com o objectivo de originarem quimeras ou híbridos.
- 5. É proibida a aplicação das técnicas de diagnóstico genético pré-implantacional em doenças multifactoriais onde o valor preditivo do teste genético seja muito baixo.
Artigo 14.º
Investigação com recurso a embriões
- 1. É proibida a criação de embriões através da Reprodução Humana Medicamente Assistida com objectivo deliberado da sua utilização na investigação científica.
- 2. É, no entanto, lícita a investigação científica em embriões com objectivo de prevenção, diagnóstico ou terapia de embriões, aperfeiçoamento das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, constituição de bancos de células estaminais para programas de transplantação ou quaisquer outras finalidades terapêuticas.
- 3. O recurso a embriões para os projectos de investigação científica apenas deve ser permitido, desde que seja razoável esperar que daí possa resultar benefício para a humanidade, dependendo cada projecto de apreciação e decisão do Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA).
- 4. Para efeitos de investigação científica só podem ser utilizados:
- a) Embriões criopreservados excedentários, em relação aos quais não exista nenhum projecto parental;
- b) Embriões cujo estado não permita a transferência ou a criopreservação com fins de procriação;
- c) Embriões que sejam portadores de anomalia genética grave, no quadro do diagnóstico genético pré-implantação.
- 5. O recurso a embriões nas condições das alíneas a) e c) do número anterior depende da obtenção de prévio consentimento expresso, informado e consciente dos beneficiários aos quais se destinam.
Artigo 15.º
Doação de espermatozóides, ovócitos e embriões
- 1. Pode recorrer-se à dádiva de ovócitos, de espermatozóides ou de embriões quando, face aos conhecimentos médico-científicos objectivamente disponíveis, não possa obter-se gravidez através do recurso a qualquer outra técnica que utilize os gâmetas dos beneficiários e desde que sejam asseguradas condições eficazes de garantir a qualidade dos gâmetas, havendo a máxima semelhança fenotípica e compatibilidade imunológica do dador com os beneficiários.
- 2. Os doadores não podem ser considerados como progenitores da criança que vier a nascer e devem observar uma confidencialidade absoluta em relação aos beneficiários da doação.
- 3. Qualquer actividade de publicidade e promoção dos centros autorizados deve respeitar a ordem pública, os bons costumes e deve igualmente respeitar o carácter altruísta da doação, não podendo em caso algum fomentar a doação mediante a oferta de compensações ou benefícios económicos.
- 4. A idade limite para a doação de gâmetas é de 35 anos para a mulher e de 50 anos para o homem, salvo casos em que for comprovado mediante diagnóstico médico a qualidade aceitável do gâmeta para doação.
- 5. Não é permitido aos médicos responsáveis pelos centros nem aos integrantes da equipa multidisciplinar que neles prestam serviço participarem como doadores nos programas de Reprodução Humana Assistida.
- 6. A doação de gâmetas deve ser celebrada num acordo formal e confidencial entre o doador e a instituição de recolha e preservação, no qual conste também que o doador pode revogar o mesmo e reclamar para si o material biológico, desde que disponível.
- 7. É proibido aos beneficiários sugerirem um doador.
- 8. A idade mínima para a doação é de 21 anos e o doador deve gozar de bom estado de saúde física, psicológica e demonstrar sinais clínicos de não padecer de doença genética ou infecciosa.
CAPÍTULO II
Procedimento de Utilização de Técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida
Artigo 16.º
Decisão médica e objecção de consciência
- 1. Compete ao médico responsável, que deve ser Especialista na Área de Medicina Reprodutiva, propor aos beneficiários a técnica de Reprodução Humana Medicamente Assistida que, cientificamente, se afigure mais adequada quando outros tratamentos não tenham sido bem-sucedidos, não ofereçam perspectivas de êxito ou não se mostrem convenientes segundo os preceitos do conhecimento médico.
- 2. Nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a superintender ou a colaborar na realização de qualquer das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, por razões médicas, éticas e religiosas.
- 3. A recusa do profissional deve ser fundamentada, especificando, por escrito, as razões de ordem clínica ou de outra índole que motivam, designadamente, a objecção de consciência.
- 4. Os médicos cuja recusa for injustificada respondem disciplinar, civil e criminalmente pelos danos causados.
Artigo 17.º
Direitos dos beneficiários
- São direitos dos beneficiários:
- a) Não ser submetido às técnicas que não ofereçam razoáveis probabilidades de êxito ou cuja utilização comporte riscos significativos para a saúde da mãe ou do filho;
- b) Ser assistido em ambiente médico idóneo que disponha de todas as condições materiais e humanas requeridas para a correcta execução da técnica aconselhável;
- c) Ser correctamente informado sobre as implicações médicas, éticas, sociais e jurídicas prováveis dos tratamentos propostos;
- d) Conhecer as razões que motivem a recusa de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida;
- e) Ser informado das condições em que lhes seja possível recorrer à adopção e da relevância social deste Instituto.
Artigo 18.º
Deveres dos beneficiários
- São deveres dos beneficiários:
- a) Prestar todas as informações que lhes sejam solicitadas pela equipa médica ou que entendem ser relevantes para o correcto diagnóstico da sua situação clínica e para o êxito da técnica a que vai submeter-se;
- b) Observar rigorosamente todas as prescrições da equipa médica, durante a fase do diagnóstico, assim como nas diferentes etapas do processo de Reprodução Humana Medicamente Assistida;
- c) Prestar ao Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA) todas as informações relacionadas com a saúde e o desenvolvimento das crianças nascidas com recurso a estas técnicas, a fim de serem globalmente avaliados os resultados médico-sanitários e psicossociológicos dos processos de Reprodução Humana Medicamente Assistida.
Artigo 19.º
Consentimento
- 1. Os beneficiários devem prestar o seu consentimento vinculante, informado, livre, esclarecido, de forma expressa e por escrito, perante o centro autorizado e o médico responsável pelo caso.
- 2. Para efeitos do disposto no número anterior, devem os beneficiários ser previamente informados, por escrito, de todos os benefícios e riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, bem como das suas implicações médicas, éticas, sociais e jurídicas.
- 3. As informações referidas no número anterior devem constar de documento, em modelo a ser aprovado pelo titular do Departamento Ministerial responsável pelo Sector da Saúde, após o parecer do Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA), através do qual os beneficiários prestam o seu consentimento.
- 4. O consentimento dos beneficiários é livremente revogável por qualquer deles até à data marcada para a realização efectiva do procedimento, desde que não prejudique interesses de terceiros.
- 5. Nos casos de revogação do consentimento, o beneficiário responde, nos termos gerais, pelos prejuízos de terceiros decorrentes da revogação do consentimento.
- 6. É ainda exigido, para efeitos de doação, o consentimento do parceiro do doador, quando este for casado ou quando viva em união de facto ainda que não reconhecida.
Artigo 20.º
Dever de confidencialidade e sigilo
- 1. Todos aqueles que, por alguma forma, tomarem conhecimento do recurso a técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida ou da identidade de qualquer dos participantes nos respectivos processos estão obrigados a manter absoluto sigilo sobre a identidade dos mesmos e sobre o próprio acto da Reprodução Humana Medicamente Assistida.
- 2. As pessoas nascidas em consequência de processos de Reprodução Humana Medicamente Assistida com recurso à dádiva de gâmetas ou embriões podem, junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética que lhes digam respeito, excluindo a identificação do doador.
- 3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, as pessoas nele referidas podem obter informação sobre eventual existência de impedimento legal para o projectado casamento, junto do Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA), mantendo-se a confidencialidade acerca da identidade do doador.
- 4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, apenas podem ser obtidas informações sobre a identidade do doador por razões ponderosas determinadas em sentença judicial.
- 5. O assento de nascimento não pode, em caso algum, conter a indicação de que a criança nasceu da aplicação de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida.
Artigo 21.º
Registo e conservação de dados
- 1. Aos dados pessoais relativos aos processos de Reprodução Humana Medicamente Assistida, respectivos beneficiários, doadores e crianças nascidas é aplicável a legislação de protecção de dados pessoais.
- 2. Em diploma próprio, de acordo com a especificidade dos dados relativos à Reprodução Humana Medicamente Assistida, é regulamentado, nomeadamente, o período de tempo durante o qual os dados devem ser conservados, quem pode ter acesso a eles e com que finalidade, bem como os casos em que podem ser eliminadas informações constantes dos registos.
Artigo 22.º
Encargos
- 1. Os centros autorizados a ministrar técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida não podem, no cálculo da retribuição exigível, atribuir qualquer valor ao material genérico doado nem aos embriões doados.
- 2. O recurso às técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida no âmbito do Serviço Nacional de Saúde é suportado financeiramente nas condições que vierem a ser definidas em diploma próprio.
Artigo 23.º
Compra ou venda de Óvulos, sémen ou embriões e outro material biológico
É proibida a compra e venda de óvulos, sémen, embriões ou qualquer material biológico para a aplicação de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, podendo os infractores responder nos termos da lei.
CAPÍTULO III
Utilização das Técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida
SECÇÃO I
Inseminação Artificial
Artigo 24.º
Inseminação com sémen de doador
- 1. A inseminação com sémen de um doador só se verifica quando, face aos conhecimentos médicos disponíveis, não se obtenha gravidez através de inseminação com sémen do marido ou daquele que viva em união de facto, ainda que não reconhecida , com a mulher a inseminar.
- 2. O sémen do doador deve ser criopreservado durante um período de tempo a determinar em diploma próprio.
Artigo 25.º
Determinação da paternidade
- 1. Se da inseminação a que se refere o Artigo anterior vier a resultar o nascimento de uma criança, é esta havida como descendente do marido ou daquele que viva em união de facto, ainda que não reconhecida com a mulher inseminada, desde que tenha havido consentimento na inseminação, nos termos do Artigo 19.º da presente Lei e de acordo com as normas imperativas do Conselho de Família.
- 2. Para efeitos do disposto no número anterior, e em caso de ausência do marido ou do companheiro de facto no acto de registo do nascimento, pode ser exibido, nesse acto, documento comprovativo de que aquele prestou o seu consentimento nos termos do Artigo 19.º da presente Lei.
- 3. Não sendo exibido o documento referido no número anterior, lavra-se o registo de nascimento apenas com a maternidade estabelecida, com vista a determinar a existência de consentimento sério, livre e esclarecido, prestado por escrito, à inseminação e consequente estabelecimento da paternidade de quem prestou o consentimento.
- 4. A presunção de paternidade estabelecida nos termos dos n.º 1 e 2 pode ser impugnada pelo marido ou por aquele que vive em união de facto, ainda que não reconhecida, se for provado que não houve consentimento ou que o filho não nasceu da inseminação para a qual o consentimento foi prestado.
Artigo 26.º
Exclusão da paternidade do doador de sémen
O doador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela.
Artigo 27.º
Inseminação após a morte
- 1. Após a morte do marido ou do companheiro com quem vivia em união de facto, ainda que não reconhecida, é lícito à mulher ser inseminada com sémen do falecido, desde que, em vida , haja consentido no acto da inseminação.
- 2. O sémen que, com fundado receio de futura esterilidade, seja recolhido para fins de inseminação do cônjuge ou da companheira com quem o homem viva em união de facto, ainda que não reconhecida, é destruído se aquele vier a falecer durante o período estabelecido para a conservação do sémen.
- 3. É, porém, lícita a transferência , após a morte, de embrião para permitir a realização de um projecto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai, decorrido que seja o prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão.
SECÇÃO II
Fecundação Laboratorial ou Fertilização In Vitro
Artigo 28.º
Princípio geral
- 1. Na fecundação in vitro apenas deve haver lugar à criação dos embriões em número considerado necessário para o êxito do processo, de acordo com as boas práticas clínicas e os princípios do consentimento informado.
- 2. O número de ovócitos a inseminar em cada processo deve ter em conta a situação clínica do casal e a indicação geral de prevenção da gravidez múltipla.
- 3. Em caso de gravidez múltipla decorrente do uso de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
- 4. O número de embriões a serem transferidos deve ser determinado de acordo com a idade da mulher, nomeadamente:
- a) Mulher até 35 anos: até 2 embriões;
- b) Mulher entre 36 e 39 anos: até 3 embriões;
- c) Mulher com 40 anos ou mais: até 4 embriões.
- 5. O número de embriões a serem criopreservados é determinado casuisticamente em função das circunstâncias concretas que se apresentarem.
Artigo 29.º
Destino dos embriões
- 1. Os embriões que, nos termos do Artigo anterior, não tiverem de ser transferidos, devem ser criopreservados, comprometendo-se os beneficiários a utilizá-los em novos processos de transferência embrionária ou manter a sua conservação por períodos de 2 anos.
- 2. Decorrido o prazo de 2 anos, podem os embriões ser doados a outro casal cuja indicação médica de infertilidade o aconselhe, sendo os factores determinantes sujeitos a registo.
- 3. O destino dos embriões previstos no número anterior só se pode verificar mediante o consentimento dos beneficiários originários ou do que seja sobrevivo, aplicando-se com as devidas adaptações o disposto no n.º 1 do Artigo 19.º da presente Lei.
- 4. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os embriões cuja caracterização morfológica não indique condições mínimas de viabilidade.
- 5. Aos embriões que não tiverem possibilidade de ser envolvidos num projecto parental aplica-se o disposto no Artigo 14.º da presente Lei.
Artigo 30.º
Fecundação in vitro após a morte
Se aquele que doou o seu sémen ou ovócitos para fins de inseminação em benefício do casal a que pertence vier a falecer, aplica-se, com as devidas adaptações , o que se dispõe em matéria de inseminação após a morte consagrado no Artigo 27.º da presente Lei.
Artigo 31.°
Fecundação in vitro com gâmetas de doador
À fecundação in vitro com recurso a sémen ou ovócitos de doador aplica-se, com as devidas adaptações , o disposto no Artigo 24.º da presente Lei.
SECÇÃO III
Diagnóstico Genético Pré-Implantacional
Artigo 32.º
Rastreio de aneuploidias e Diagnóstico Genético Pré-Implantacional
- 1. O Diagnóstico Genético Pré-Implantação tem como objectivo a identificação de embriões não portadores de anomalia, antes da sua transferência para o útero da mulher, através do recurso a técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, ou para o efeito previsto no n.º 3 do Artigo 13.º da presente Lei.
- 2. É permitida a aplicação, sob orientação de Médico Especialista responsável, do rastreio genético de aneuploidias nos embriões a transferir com vista a diminuir o risco de alterações cromossómicas e assim aumentar as possibilidades de sucesso das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida.
- 3. É permitida a aplicação, sob orientação de Médico Especialista responsável, das técnicas de Diagnóstico Genético Pré-lmplantacional que tenham reconhecido valor científico para o diagnóstico, tratamento ou prevenção de doenças genéticas, como tal considerado pelo Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA).
- 4. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida podem ser aplicadas à selecção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças, podendo nesses casos ser doados para pesquisa ou descartados, conforme a decisão do paciente devidamente documentada em consentimento informado livre e esclarecido.
- 5. As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida podem ser utilizadas para tipagem do sistema HLA (Antígeno Leucocitário Humano) do embrião, no intuito de seleccionar embriões HLA-compatíveis com algum irmão já afectado pela doença e cujo tratamento efectivo seja o transplante de células-tronco, de acordo com a legislação vigente.
- 6. O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro é até 14 dias.
- 7. Os centros que desejem aplicar técnicas de Diagnóstico Genético Pré-Implantacional devem possuir ou articular-se com equipa multidisciplinar que inclua especialistas em medicina de reprodução, embriologistas, geneticistas, citogeneticistas, geneticistas moleculares, biólogos e profissionais com formação na área das ciências da vida.
Artigo 33.º
Aplicações
- 1. O Diagnóstico Genético Pré-lmplantacional destina-se a pessoas provenientes de famílias com alterações genéticas que causam morte precoce ou doença grave ou quando exista risco elevado de transmissão de doença à sua descendência.
- 2. As indicações médicas específicas para possível Diagnóstico Genético Pré-lmplantacional são determinadas pelas boas práticas correntes e constam das recomendações das organizações profissionais nacionais e internacionais da área, sendo revistas periodicamente.
SECÇÃO IV
Maternidade de Substituição
Artigo 34.º
Maternidade de Substituição
- 1. É permitida a cessão do útero de forma gratuita para fins de maternidade, por substituição, sempre que, por razões consideráveis, a mulher requerente se veja impossibilitada de procriar por procedimentos naturais.
- 2. As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros com parentesco por laço de sangue até ao quinto grau da linha recta e colateral e não ser primigestas.
- 3. É nula a celebração de negócios jurídicos onerosos de maternidade de substituição.
SECÇÃO V
Outras Técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida
Artigo 35.º
Outras técnicas de Reprodução Humana Assistida
À injecção intracitoplasmática de espermatozóides, à transferência de embriões, gâmetas ou zigotos e a outras técnicas laboratoriais de manipulação genética ou embrionária equivalente ou subsidiária aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto na Secção II do presente capítulo.
CAPÍTULO IV
Sanções
SECÇÃO I
Responsabilidade Criminal
Artigo 36.º
Centros autorizados
Quem aplicar técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida fora dos centros autorizados é punido com pena de prisão até 3 anos.
Artigo 37.º
Beneficiários
Quem aplicar técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida com violação do disposto no n.º 2 do Artigo 12.º da presente Lei é punido com pena de prisão de 3 a 6 anos.
Artigo 38.º
Violação dos requisitos da maternidade de substituição
Quem aconselhar ou induzir uma mulher que não reúne os requisitos previstos no Artigo 12.º da presente Lei a tornar-se mãe de substituição ou executar qualquer procedimento médico com esta finalidade é punido com pena de prisão de 3 a 6 anos.
Artigo 39.º
Clonagem reprodutiva
- 1. Quem transferir para o útero embrião obtido através da técnica de transferência de núcleos, salvo quando essa transferência seja necessária à aplicação das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, é punido com pena de prisão de 3 a 8 anos.
- 2. Na mesma pena incorre quem proceder à transferência de embrião obtido através da cisão de embriões.
Artigo 40.º
Escolha de características não médicas
Quem utilizar ou aplicar técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida para conseguir melhorar determinadas características não médicas do nascimento, designadamente a escolha do sexo, fora dos casos permitidos pela presente Lei, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
Artigo 41.°
Criação de quimeras ou híbridos
Quem criar quimeras ou híbridos com fins de Reprodução Humana Medicamente Assistida é punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.
Artigo 42.º
Utilização indevida de embriões
Quem, através de Reprodução Humana Medicamente Assistida, utilizar embriões na investigação e experimentação científica fora dos casos permitidos na presente Lei é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Artigo 43.º
Intervenções e tratamentos
- 1. As intervenções e tratamentos através de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem ser feitos por médico ou outra pessoa legalmente autorizada pelo médico responsável pelos serviços.
- 2. As intervenções e tratamentos no âmbito da Reprodução Humana Medicamente Assistida feitos sem conhecimento do médico responsável ou por quem não esteja legalmente habilitado constituem ofensas à integridade física, e é punido nos termos do disposto no Código Penal.
Artigo 44.º
Recolha e utilização não consentida de gâmetas
Quem recolher material genético de homem ou de mulher sem o seu consentimento e o utilizar na Reprodução Humana Medicamente Assistida é punido com pena de prisão de 3 a 8 anos.
Artigo 45.º
Compra ou venda proibida de óvulos, sémen ou embriões e outro material biológico
Quem comprar ou vender óvulos, sémen, embriões ou qualquer material biológico para a aplicação de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 300 dias.
Artigo 46.º
Violação do dever de confidencialidade e sigilo
Quem violar o disposto no Artigo 20.º da presente Lei é punido nos termos do disposto na Lei de Protecção de Dados Pessoais.
SECÇÃO II
Contravenções
Artigo 47.º
Contravenções
- Constitui contravenção punível com multa nos termos gerais do direito penal e a ser estabelecida em diploma próprio, no caso de pessoas singulares ou colectivas:
- a) A aplicação de qualquer técnica de Reprodução Humana Medicamente Assistida em que, para tal, não se verifique as condições previstas no n.º 2 do Artigo 10.º da presente Lei;
- b) A aplicação de qualquer técnica de Reprodução Humana Medicamente Assistida sem que o consentimento de qualquer dos beneficiários conste de documento que obedeça aos requisitos previstos no Artigo 19.º da presente Lei.
SECÇÃO III
Sanções Acessórias
Artigo 48.º
Sanções acessórias
- A quem for condenado por qualquer dos crimes ou das contravenções previstos neste capítulo pode o tribunal aplicar as seguintes sanções acessórias:
- a) Injunção judiciária;
- b) Interdição temporária do exercício de actividade ou profissão;
- c) Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados por entidades ou serviços públicos;
- d) Encerramento temporário do estabelecimento;
- e) Cancelamento da autorização de funcionamento.
CAPÍTULO V
Disposições Finais
Artigo 49.º
Direito subsidiário
Ao disposto na presente Lei é aplicável, subsidiariamente, o Código Penal, o Código da Família, a Lei das Transgressões Administrativas, a Lei de Protecção de Dados Pessoais e demais legislação em vigor.
Artigo 50.º
Dúvidas e omissões
As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.
Artigo 51.°
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor à data da sua publicação.
Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda , aos 10 de Agosto de 2021.
O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos.
Promulgada aos 22 de Outubro de 2021.
Publique-se.
O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO.