Considerando que a Constituição da República de Angola prevê o princípio da plenitude orçamental como um princípio no domínio orçamental, admitindo-se, por conseguinte, os Fundos Públicos como uma excepção à regra da não consignação de receitas;
Havendo a necessidade de se definir, no âmbito da Reforma do Estado, um novo quadro jurídico-regulatório dos Fundos Públicos, concebidos como entes que actuam, essencialmente, com base numa lógica de investimento e de mercado, tendo em vista à necessidade de assegurar a auto-sustentabilidade financeira dos mesmos na prossecução das suas atribuições;
Tendo em conta a necessidade de criação de um quadro legal que permita o reforço das actividades de fomento do Estado em sectores considerados impulsionadores para a economia;
A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos do n.º 2 do Artigo 165.º, conjugado com a alínea d) do n.º 2 do Artigo 166.º, ambos da Constituição da República de Angola, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Artigo 1.º
Objecto
A presente Lei estabelece o Regime Jurídico aplicável à Criação, Organização, Funcionamento, Gestão, Fiscalização, Avaliação e Extinção dos Fundos Públicos.
Artigo 2.º
Âmbito
A presente Lei aplica-se a todas as espécies de Fundos Públicos.
Artigo 3.º
Modalidades
- 1. Os Fundos Públicos assumem carácter transversal e são criados nos seguintes vectores:
- a) De Desenvolvimento Económico e Produtivo: - capitalizados para rentabilização e financiamento de projectos estratégicos de desenvolvimento económico a médio e longo prazo;
- b) De Investimento, de Poupança e de Estabilização Macro Fiscal: capitalizados para rentabilização, mediante a realização de investimentos de carácter estratégico, poupança e estabilização macro fiscal;
- c) De Carácter Social ou Assistencial: - capitalizados para complementar a prestação de apoio e financiamento de iniciativas de promoção do bem-estar e qualidade de vida das pessoas, famílias, comunidades, cultura, turismo, entre outros, podendo ser recapitalizados;
- d) De Infra-Estruturas: - capitalizados para a rentabilização e financiamento de projectos de infra-estruturas.
- 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, podem ser criados Fundos Públicos que prossigam outros fins não discriminados nas alíneas anteriores, sempre que:
- a) Razões de conjuntura política, nacional ou internacional, assim o exijam;
- b) Existam situações emergenciais ou de força maior que demandem a consignação especial de receitas.
CAPÍTULO II
Regime Geral
SECÇÃO I
Princípios
Artigo 4.º
Princípio da Eficiência
Na sua gestão, os Fundos Públicos actuam com observância dos critérios legais e de probidade pública, necessários à utilização racional dos recursos, visando garantir os resultados económicos, financeiros e sociais previstos, bem como a concretização do interesse público.
Artigo 5.º
Princípio da Transparência
No âmbito da sua gestão, os Fundos Públicos devem prestar informações suficientes, adequadas e em tempo oportuno para garantir o acesso público à informação sobre toda a sua actividade, inclusive a financeira e contabilística, devendo a informação estar organizada de modo a permitir a identificação de fluxos financeiros e patrimoniais com o Estado ou outras entidades públicas e privadas.
Artigo 6.º
Princípio da Sustentabilidade
Sem prejuízo do disposto na presente Lei em relação a dotações orçamentais, os Fundos Públicos devem ser geridos de modo a garantir a sua rentabilidade e auto-suficiência, diminuindo, de forma gradual, a sua dependência de dotações orçamentais.
SECÇÃO II
Criação, Funcionamento e Extinção
Artigo 7.º
Criação
- 1. Os Fundos Públicos são criados por acto normativo do Presidente da República.
- 2. A criação de Fundo Público deve estar acompanhada de um relatório justificativo da sua necessidade e oportunidade, bem como de estudos que demonstrem a viabilidade técnica, económica e financeira ou sustentabilidade, nos casos aplicáveis.
- 3. O acto normativo de constituição do Fundo Público deve especificar:
- a) A natureza e os fins;
- b) Os órgãos e as respectivas atribuições e competências;
- c) As fontes de recursos e os critérios para a sua alocação.
Artigo 8.º
Capitalização
- 1. Os Fundos Públicos beneficiam de uma dotação inicial prevista no Orçamento Geral do Estado, proveniente dos Recursos Ordinários do Tesouro ou de receitas consignadas, que permitam o exercício, de forma sustentável e com autonomia, das actividades para as quais foram criadas, sem prejuízo das receitas que possam arrecadar.
- 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, os Fundos Públicos podem ser capitalizados regularmente através da consignação de receitas, prevista na Lei do Orçamento Geral do Estado.
Artigo 9.º
Auditoria externa
- 1. Os Fundos Públicos estão sujeitos a auditoria externa, realizada por pessoa colectiva de reconhecida idoneidade e estabelecida em Angola.
- 2. Os auditores estão sujeitos ao regime de rotatividade, não podendo realizar auditorias ao mesmo Fundo Público por um período superior a 3 (três) anos consecutivos.
- 3. É expressamente proibida a prestação directa ou indirecta, pela pessoa colectiva que presta serviço de auditoria ao Fundo Público auditado, de serviços distintos da auditoria, nomeadamente serviços de assessoria fiscal, serviços que envolvam qualquer participação na gestão ou tomada de decisões do Fundo Público auditado, serviços de contabilidade e controlo, serviços jurídicos e outros previstos em legislação específica.
- 4. Sem prejuízo do disposto no presente Artigo, os Fundos Públicos devem incluir nos órgãos de fiscalização 1 (um) auditor independente, para a garantia de uma gestão prudencial.
Artigo 10.º
Avaliação
Os Fundos Públicos estão sujeitos a uma avaliação anual, tendo em vista à confirmação da observância dos pressupostos que estiveram na base da sua criação e a viabilidade da sua continuidade, sem prejuízo das obrigações pontuais de reporte de gestão financeira e contabilística.
Artigo 11.º
Regime tributário
- 1. Os Fundos Públicos estão sujeitos à inscrição nos serviços tributários e de segurança social, bem como ao cumprimento das obrigações declarativas nos termos da lei.
- 2. Sem prejuízo da obrigação de retenção e entrega de tributos por parte das entidades gestoras, os Fundos Públicos estão isentos do pagamento de qualquer imposto e de custas judiciais, nos termos da legislação aplicável.
Artigo 12.º
Dever de remessa dos relatórios de contas
- 1. Os Fundos Públicos remetem ao Tribunal de Contas e ao Titular do Poder Executivo, até à data legalmente estabelecida, os seus relatórios de contas, com vista à elaboração, apreciação e controlo da Conta Geral do Estado, nos termos da lei.
- 2. Os referidos relatórios devem incluir informação detalhada sobre a execução orçamental, financeira e patrimonial, garantindo a transparência, fiscalização e prestação de contas na gestão dos recursos públicos.
Artigo 13.º
Acompanhamento da gestão
- Sem prejuízo da autonomia dos Fundos Públicos, compete ao Titular do Poder Executivo:
- a) Assegurar o cumprimento dos termos e condições do contrato de gestão dos Fundos Públicos;
- b) Garantir o cumprimento das finalidades que estiveram na base da sua criação;
- c) Avaliar os Fundos Públicos com base nos respectivos relatórios de gestão e de auditoria;
- d) Controlar o cumprimento da política de investimento e desinvestimento do Fundo Público.
Artigo 14.º
Extinção dos Fundos Públicos
- 1. Os Fundos Públicos são extintos:
- a) Quando tenha decorrido o prazo para o qual tenham sido criados;
- b) Quando, após competente análise, se conclua que o seu desempenho não cumpre com as metas para os quais foram criados;
- c) Por acto normativo do órgão que os criou, quando tenham sido atingidos os fins para os quais foram criados.
- 2. O acto normativo que extingue o Fundo Público define o destino do pessoal e do património, quando aplicável, nos termos da lei.
CAPÍTULO III
Tipos de Fundos Públicos
Artigo 15.º
Tipologias
- Para efeitos da presente Lei, os Fundos Públicos podem assumir uma das seguintes tipologias:
- a) Fundo Conta;
- b) Fundo Personalizado.
SECÇÃO I
Fundos Conta
Artigo 16.º
Definição
Os Fundos Públicos Conta, abreviadamente designados por «FPC», são reservas patrimoniais, financeiras ou conjunto de valores domiciliados em contas do Tesouro Nacional junto do Banco Nacional de Angola ou de instituições financeiras bancárias, constituídos com o objectivo de fomentar e financiar iniciativas de interesse público específico, ligadas ao desenvolvimento de actividades de carácter económico, produtivo e social conforme definidas no Artigo 3.º da presente Lei.
Artigo 17.º
Pressupostos de criação de Fundos Públicos Conta
- Os Fundos Públicos Conta são criados tendo em conta o seguinte:
- a) Alcance de objectivos específicos de interesse público e estratégico;
- b) Observância do princípio da eficiência no seu modo de actuação;
- c) Respeito pela não duplicação de atribuições com outros organismos do Sector Público Administrativo ou do Sector Empresarial, bem como de outros programas do Executivo;
- d) Capacidade para a geração de receitas próprias para fazer face à totalidade das suas despesas.
Artigo 18.º
Gestão
- 1. A gestão dos Fundos Públicos Conta é feita, em regra, por uma instituição financeira não bancária, devidamente registada nos termos da lei, mediante a celebração de um contrato de gestão.
- 2. Compete ao Presidente da República, ou à entidade a quem este delegar, conduzir o processo de selecção das entidades gestoras a serem mandatadas para a gestão do Fundo Público, observando sempre os procedimentos da contratação pública vigentes, quando aplicáveis.
- 3. O contrato de gestão a que se refere o n.º 1 do presente Artigo deve, designadamente, assegurar o seguinte:
- a) Regras sobre política de investimento e desinvestimento, de acordo com a finalidade do Fundo Público;
- b) Critérios para o investimento e rentabilização dos recursos do Fundo Público;
- c) Critérios de elegibilidade dos projectos a financiar pelos recursos do Fundo Público;
- d) Política sobre a gestão do risco;
- e) Direitos e deveres da entidade gestora;
- f) Remuneração da entidade gestora;
- g) Regras sobre a avaliação e fiscalização da actividade da entidade gestora e prestação de contas;
- h) Regras sobre responsabilização pelos actos de gestão do Fundo.
Artigo 19.º
Política de investimento
- 1. Os Fundos Públicos Conta devem ser geridos com base nas regras de mercado, com vista à sua rentabilização.
- 2. Compete ao Presidente da República aprovar a política de investimento dos Fundos Públicos Conta.
Artigo 20.º
Responsabilidade da entidade gestora
A entidade gestora é responsável pelo incumprimento das obrigações legais e contratuais decorrentes dos Fundos Públicos sob sua gestão.
Artigo 21.º
Incumprimento do Contrato de Gestão
Em caso de incumprimento das obrigações legais e contratuais por parte da entidade gestora, compete ao Presidente da República, ou à entidade pública a quem este delegar, determinar a cessação do Contrato de Gestão sem prejuízo da responsabilização dos gestores.
SECÇÃO II
Fundos Personalizados
Artigo 22.º
Definição
Os Fundos Públicos Personalizados, abreviadamente designados por «FPP», são patrimónios públicos autónomos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial, especificamente criados para a prossecução de determinados fins públicos.
Artigo 23.º
Criação dos Fundos Personalizados
Os Fundos Públicos Personalizados apenas podem ser criados por ponderosas razões de interesse público, mediante acto do Presidente da República.
Artigo 24.º
Pressuposto de criação de Fundos Públicos Personalizados
- Os Fundos Personalizados são criados tendo em conta o seguinte:
- a) Alcance de objectivos específicos de interesse público e estratégico;
- b) Não duplicação de atribuições com outros organismos do Sector Público Administrativo ou do Sector Empresarial, bem como de outros programas do Executivo;
- c) Capacidade para a geração de receitas próprias para fazer face à totalidade das suas despesas.
Artigo 25.º
Organização
- 1. A estrutura organizativa dos Fundos Personalizados é aprovada em diploma próprio do Presidente da República.
- 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a estrutura de gestão dos Fundos Personalizados deve ser colegial e em número ímpar.
Artigo 26.º
Responsabilidade dos órgãos
- 1. Os órgãos de gestão dos Fundos Públicos são solidariamente responsáveis pelos actos praticados no exercício da gestão.
- 2. Os titulares dos órgãos dos Fundos Públicos e os seus trabalhadores respondem civil, financeira, criminal e disciplinarmente pelos actos e omissões que pratiquem no exercício das suas funções, nos termos da Constituição e demais legislação aplicável.
- 3. A responsabilidade financeira dos órgãos de gestão é aferida pelo Tribunal de Contas, nos termos da lei.
- 4. Os Fundos Públicos não estão sujeitos a processos de fiscalização preventiva do Tribunal de Contas.
Artigo 27.º
Regime laboral
Ao pessoal afecto aos Fundos Públicos Personalizados é aplicável o Regime Laboral previsto na Lei Geral do Trabalho, sem prejuízo das situações de destacamento e requisição previstas, nos termos da lei.
CAPÍTULO IV
Disposições Finais e Transitórias
Artigo 28.º
Regime transitório
- 1. Os Fundos Públicos existentes à data da entrada em vigor da presente Lei, independentemente do órgão que os tenha criado, devem ser reavaliados, casuisticamente, com vista à sua conformação e adequação ao regime nela previsto, bem como à sua eventual reestruturação, fusão ou extinção.
- 2. Acto próprio do Presidente da República estabelece, no momento da reestruturação, fusão ou extinção, as normas sobre o enquadramento do pessoal, a afectação do património e outras questões que se afigurem relevantes, nos termos da lei.
- 3. O disposto nos números anteriores deve ser concluído no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente Lei.
Artigo 29.º
Jurisdição competente
Os Fundos Públicos estão sujeitos à jurisdição dos Tribunais com competência em matéria de contencioso administrativo, excepto quando actuem segundo regras de direito privado.
Artigo 30.º
Revogação
É revogada toda a legislação que contrarie o disposto na presente Lei, nomeadamente o n.º 2 do Artigo 31.º da Lei n.º 7/04, de 15 de Outubro, a Lei n.º 9/06, de 29 de Setembro, o Capítulo IV da Lei n.º 3/07, de 3 de Setembro, o Artigo 18.º da Lei n.º 6/02, de 21 de Junho, a Secção II do Capítulo VIII da Lei n.º 25/12, de 22 de Agosto, e o Capítulo V do Decreto Legislativo Presidencial n.º 2/20, de 19 de Fevereiro, na matéria respeitante aos Fundos Públicos.
Artigo 31.º
Dúvidas e omissões
As dúvidas e omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.
Artigo 32.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor à data da sua publicação.
Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, aos 19 de Julho de 2025.
A Presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira.
Promulgada aos 8 de Setembro de 2025.
Publique-se.
O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO.