CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.°
Direito à greve
É reconhecido aos trabalhadores o direito de recurso à greve nos termos da Lei Constitucional e da presente lei.
Artigo 2.°
Noção
- 1. Entende-se por greve a recusa colectiva, total ou parcial, concertada e temporária de prestação de trabalho, contínua ou interpolada, por parte dos trabalhadores.
- 2. Não são consideradas greves quaisquer formas de redução ou alteração, colectiva, concertada e temporária, dos ritmos e métodos de trabalho, que não impliquem abstenção de trabalho, as quais são passíveis de responsabilidade disciplinar nos termos da legislação laboral.
Artigo 3.°
Fins das greves
As greves só podem visar fins económicos, sociais e profissionais relacionados com a situação laboral dos trabalhadores a quem compete decidir, nos termos da presente lei, sobre o âmbito e a natureza dos interesses que pretendam defender.
Artigo 4.°
Liberdade de adesão à greve
- 1. Os trabalhadores são livres de individualmente aderir ou não aderir à greve.
- 2. Os trabalhadores não podem sofrer discriminação nem, por qualquer forma, ser prejudicados, nomeadamente nas suas relações com a entidade empregadora ou nos seus direitos sindicais, por motivo de adesão ou não adesão a uma greve lícita.
- 3. Sem prejuízo do disposto no artigo 25.° da presente lei, são nulos e de nenhum efeito os actos, de qualquer natureza, que contrariem o disposto no número anterior.
Artigo 5.°
Âmbito
A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores, salvo o disposto no artigo seguinte.
Artigo 6.°
Proibição do exercício do direito à greve
- Não é permitido o exercício do direito à greve nas seguintes áreas e aos seguintes trabalhadores:
- a) forças militares e militarizadas;
- b) forças policiais;
- c) titulares de cargos de soberania e magistrados do Ministério Público;
- d) agentes e trabalhadores da administração prisional;
- e) trabalhadores civis de estabelecimentos militares;
- f) bombeiros.
Artigo 7.°
Greves ilícitas
- 1. São consideradas ilícitas e puníveis nos termos da lei, as greves que prossigam objectivos diferentes dos permitidos no artigo 3.°
- 2. São ainda consideradas ilícitas as greves que:
- a) sejam acompanhadas de ocupação dos locais do trabalho;
- b) não obedeçam aos princípios e regras estabelecidos na presente lei, nomeadamente, ao disposto nos artigos 8.°, 9.°, 10.°, 12.°, 19.° e 20.°
Artigo 8.°
Limitações ao exercício do direito à greve
- 1. O direito à greve por parte dos trabalhadores dos portos, aeroportos, caminhos de ferro, transportes aéreos e marítimos, bem como de outras empresas ou serviços que produzam bens ou prestem serviços indispensáveis às forças armadas, deve ser exercido por forma a não pôr em causa o abastecimento necessário à defesa nacional.
- 2. Com vista à preservação desses objectivos, o exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores referidos no número anterior, obedece ao seguinte regime:
- a) o prazo de negociações a que se refere o n.° 3 do artigo 9.° é dilatado para 30 dias;
- b) a intervenção do Ministério do trabalho, Administração Pública e Segurança Social prevista no artigo 14.°, com vista à sua solução por acordo, é obrigatória
- 3. Em caso de greve dos trabalhadores a que se refere o presente artigo, eles ficam obrigados a tomar todas as providências para assegurar, durante a greve, a realização das actividades necessárias à satisfação das necessidades essenciais da população e da defesa nacional, nos termos do artigo 20.°.
- 4. O exercício do direito à greve pode ser suspenso mediante resolução do Conselho de Ministros desde que se verifiquem alterações da ordem pública ou situações de calamidade pública e a medida se mostre necessária e adequada ao restabelecimento da normalidade.
- 5. A resolução referida no número anterior especificará a área geográfica, os estabelecimentos, serviços e categorias profissionais abrangidos, bem como a duração da suspensão por período não superior a 60 dias, sem prejuízo de prorrogação por iguais períodos mediante prévia autorização da Assembleia do povo ou da sua Comissão Permanente.
CAPÍTULO II
Declaração e protecção da greve
Artigo 9.°
Negociações para tentativa de acordo
- 1. A greve deve ser obrigatoriamente precedida de apresentação à entidade empregadora respectiva de um caderno contendo as reivindicações dos trabalhadores e de tentativa de solução do conflito por via de acordo.
- 2. Em resposta, a entidade empregadora deve apresentar aos representantes dos trabalhadores, por escrito, a sua resposta ao caderno reivindicativo, no prazo de cinco dias, salvo se prazo superior for concedido pelos trabalhadores.
- 3. Se o não fizer durante esse prazo, ou caso o faça, se após um período de negociações de 20 dias não se chegar a acordo, os trabalhadores são livres de declarar a greve nos termos do artigo seguinte.
Artigo 10.°
Decisão da greve
- 1. A decisão de declaração da greve cabe aos trabalhadores e aos respectivos organismos sindicais nos termos dos números seguintes.
- 2. A decisão de declaração da greve só poderá ser tomada em Assembleia de Trabalhadores convocada com a antecedência mínima de cinco dias pelo organismo sindical ou vinte por cento dos trabalhadores abrangido e em que estejam presentes pelo menos 2/3 desses trabalhadores.
- 3. A convocação da Assembleia será obrigatoriamente comunicada no prazo se 24 horas à entidade empregadora que poderá solicitar a presença de representantes do Ministério do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social para efeitos de verificação da regularidade da constituição da Assembleia e das suas decisões.
- 4. Nos locais de trabalho onde existam organismos sindicais, compete a esses organismos declararem a greve, nos termos da lei e dos regulamentos das respectivas associações sindicais e desde que haja o acordo de pelo menos 2/3 dos trabalhadores presentes.
- 5. Sempre que se verifique a inexistência de organizações sindicais, ou quando a maioria dos trabalhadores não esteja sindicalizada, a declaração de greve cabe à assembleia de trabalhadores, considerando-se aprovada a greve a favor da qual votem pelo menos 2/3 dos trabalhadores presentes.
Artigo 11.°
Delegados de greve
No momento da decisão sobre a greve, os organismos sindicais ou assembleia de trabalhadores, conforme os casos, designarão ou elegerão 3 a 5 delegados de greve, aos quais cabe representar os trabalhadores grevistas junto da entidade empregadora e do Ministério do trabalho, Administração Pública e Segurança Social.
Artigo 12.°
Comunicação da greve
- 1. Decidida a greve, nos termos do artigo 10.°, a assembleia de trabalhadores ou o organismos sindical, consoante os casos, deverão comunicar a sua decisão à entidade contra a qual foi declarada e às estruturas competentes do Ministério do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social e do organismo administrativo de coordenação do sector em que se enquadra a actividade da empresa em greve, com uma antecedência mínima de três dias.
- 2. A declaração da greve deverá conter, nomeadamente:
- a) os fundamentos e objectivos da greve;
- b) a indicação dos estabelecimentos, serviços e categorias profissionais abrangidos pela greve;
- c) a indicação dos delegados da greve, designados ou eleitos nos termos do artigo anterior;
- d) a data e hora do início da greve.
Artigo 13.°
Formalidades dos actos
A apresentação dos documentos referidos na presente lei nomeadamente do caderno reivindicativo e respectiva resposta, da comunicação da convocação da Assembleia de Trabalhadores da solicitação de comparência de representantes do Ministério do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social e da comunicação da declaração da greve, deverá ser certificada com a passagem de documentos comprovativo pela entidade a que se destina mencionando data da prática do acto.
Artigo 14.°
Conciliação e mediação
- 1. Os serviços competentes do Ministério do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social ou do organismo administrativo de coordenação do sector em que se enquadra a actividade da empresa poderão proceder, por sua iniciativa ou a pedido de qualquer das partes, a diligências com vista à solução do conflito, bem como à garantia de funcionamento dos serviços essenciais referidos no artigo 20.°
- 2. Nas reuniões de conciliação é obrigatória a presença de todas as partes envolvidas no conflito.
Artigo 15.°
Proibição de mudança de equipamentos
Durante o período de pré-aviso e enquanto durar a greve, não é permitido às entidades empregadoras retirar do local de trabalho quaisquer máquinas ou instrumentos de trabalho podendo, contudo, visitar as instalações para se inteirarem e tomarem as medidas necessárias para a conservação e manutenção desses equipamentos e instrumentos.
Artigo 16.°
Piquetes da greve
- 1. Com vista a garantir a eficácia da greve ou a protecção das instalações e do equipamento, os grevistas poderão constituir piquetes de greve que funcionarão nos limites exteriores dos locais de trabalho a proteger.
- 2. Os trabalhadores grevistas não devem impedir a prestação de trabalho pelos trabalhadores que não tenham aderido à greve nem contra eles exercer intimidações ou violência sob pena de responsabilidade penal nos termos da lei.
Artigo 17.°
Proibição de substituição de trabalhadores
É vedado à entidade empregadora substituir os trabalhadores em greve por outros que, à data do início do conflito, não trabalhavam para a empresa ou serviço, sem prejuízo do disposto no artigo 20.°, n.° 3.
Artigo 18.°
Proibição de lock-out
- 1. É proibido o lock-out.
- 2. Considera-se lock-out o encerramento ou paralisação total ou parcial da actividade da empresa por parte da entidade empregadora como meio de influenciar a solução de conflitos económicos ou socioprofissionais, nomeadamente na iminência da apresentação de caderno reivindicativo, durante os períodos de negociações ou após a greve exercida licitamente.
CAPÍTULO III
Obrigações dos trabalhadores durante a greve
Artigo 19.°
Protecção e acesso às instalações
- 1. Durante a greve, os organismos sindicais e os trabalhadores são obrigados a garantir os serviços necessários à segurança, protecção e manutenção dos equipamentos e instalações da empresa.
- 2. Durante a greve, são vedados o acesso e a permanência dos trabalhadores grevistas no interior dos locais de trabalho abrangidos com excepção dos trabalhadores que não tenham aderido à greve, dos delegados de greve e daqueles que estejam empenhados nas operações de conservação e manutenção desses equipamentos e instalações.
Artigo 20.°
Satisfação de necessidades essenciais
- 1. Nos serviços e empresas de utilidade públicas os trabalhadores e os organismos sindicais ficam obrigados a assegurar, durante a greve, através de piquetes, as actividades necessárias a assegurar a satisfação de necessidades essenciais e inadiáveis da população.
- 2. Para efeitos da presente lei, consideram-se serviços e empresas de utilidade pública, os relativos a:
- a) correios e telecomunicações;
- b) Controlo do espaço aéreo;
- c) serviços de saúde e farmácia;
- d) captação e distribuição de águas;
- e) produção, transporte e distribuição de energia eléctrica e distribuição de combustíveis;
- f) operações de carga e distribuição de produtos alimentares de primeira necessidade para o abastecimento à população e perecíveis;
- g) transportes colectivos;
- h) saneamento e recolha de lixo;
- i) serviços funerários.
- 3. Em caso de justificado interesse nacional e a título excepcional, o Conselho de Ministros poderá, mediante resolução, determinar a requisição civil visando a substituição dos trabalhadores em greve e garantir o funcionamento dos serviços e empresas mencionadas nos números anteriores, pelo período de duração da greve.
- 4. A decisão de requisição torna-se eficaz com a sua difusão pelos meios de comunicação social.
CAPÍTULO IV
Efeitos da greve
Artigo 21.°
Suspensão da relação jurídico-laboral
- 1. A greve suspende, durante o tempo em que se mantiver, a relação jurídico-laboral, nomeadamente no que se refere à percepção do salário e ao dever de obediência, mantendo-se, contudo, os deveres de lealdade e respeito mútuos.
- 2. A entidade empregadora assiste a faculdade de proceder ao pagamento do salário suspenso nos termos do número anterior.
- 3. A suspensão da relação jurídico-laboral, por motivo da greve, não prejudica os direitos dos trabalhadores relativamente a:
- a) férias;
- b) segurança social;
- c) antiguidade e efeitos dela decorrentes.
Artigo 22.°
Proibição de transferência e despedimento
- 1. Durante o período de pré-aviso, enquanto durar a greve e até 90 dias após o seu termo, a entidade empregadora não poderá transferir nem despedir os trabalhadores grevistas, a não ser por razões disciplinares nos termos da legislação laboral.
- 2. Os delegados da greve não poderão ser transferidos nem despedidos a não ser por razões disciplinares, nos termos da legislação laboral, durante o período de 1 ano após o termo da greve.
Artigo 23.°
Suspensão de prazos
- Durante a greve, suspendem-se os prazos relativos a:
- a) prescrição das sanções disciplinares;
- b) instauração e prática dos actos de processo disciplinar;
- c) estágio de trabalhadores.
Artigo 24.°
Efeitos das greves proibidas, ilícitas, limitadas e suspensas
Sem prejuízo das sanções aplicáveis nos termos da lei, a protecção de trabalhadores grevistas e delegados da greve estabelecida nos n.°s 2 e 3 do artigo 21.° e no artigo 22.° se não tem lugar para casos de greves proibidas, ilícitas, limitadas ou suspensas a que se referem os artigos 6.°, 7.° e 8.° da presente lei.
CAPÍTULO V
Infracções e sanções
Artigo 25.°
Violação da liberdade de adesão à greve
Aquele que discriminar ou, por qualquer forma, prejudicar um trabalhador nos seus direitos, por ter dirigido ou aderido a uma greve lícita, será condenado na multa de NKZ 50.000.00, a NKZ 200.000 00, sem prejuízo de condenação em pena mais grave se a ela houver lugar.
Artigo 26.°
Ameaças ou coacção à greve
Aquele que declarar, exercer ou impedir a efectivação de uma greve lícita por meios violentos, ameaças, coacção ou qualquer meio fraudulento, será punido com a pena de prisão até 6 meses e multa correspondente, se pena mais grave não couber nos termos da lei.
Artigo 27.°
Greve ilícita
- 1. Sem prejuízo de outras penas mais graves que sejam aplicáveis nos termos da lei, serão punidos com pena de prisão e multa correspondente os organizadores de uma greve proibida, ilícita ou cujo exercício tenha sido suspenso nos termos da presente lei.
- 2. Será punido disciplinarmente, nos termos da legislação laboral, o trabalhador que, conhecedor da proibição ou ilicitude de uma greve, a ela aderir.
- 3. A adesão á greve referida no número anterior é considerada infracção disciplinar grave.
Artigo 28.°
Lock-out e violação dos direitos dos trabalhadores
A infracção ao disposto nos artigos 15.°, 17.°, 18.°. e 22.° da presente lei é punida com a multa de NKZ 50.000.00 a NKZ 500.000.00, sem prejuízo da aplicação de sanção mais grave se por lei a ela houver lugar.
Artigo 29.°
Tribunal competente
O conhecimento e julgamento das infracções referentes no presente capítulo, bem como das outras questões emergentes da aplicação da presente lei são submetidas aos órgãos competentes para o conhecimento dos conflitos laborais.
CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
Artigo 30.°
Redimensionamento empresarial
A proibição de transferência e de despedimento prevista no artigo 22.° da presente lei, não se aplica no prazo de um ano a contar da transferência do direito de propriedade das empresas no âmbito do redimensionamento empresarial nos termos da legislação respectiva.
Artigo 31.°
Revogação de legislação
Fica revogada toda a legislação que contrarie o disposto na presente lei, nomeadamente o Decreto-Lei n.° 3/75, de 8 de Janeiro, a alínea l) do artigo 1.° da Lei n.° 11/75, de 15 de Dezembro e o artigo 23.° da Lei n.° 7/78, de Maio.
Artigo 32.°
Entrada em vigor
A presente lei entra imediatamente em vigor.
Vista e aprovada pela Assembleia do povo.
Publique-se.
Luanda, aos 13 de Maio de 1991.
O Presidente da República, JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS